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Aquela poderia ser uma sexta-feira como todos as outras, mas ao finalmente acomodar-se na sua mesa de secretária com sua segunda xícara de café bem doce daquela manhã, os olhos de gavião de Rita Ramirez recaíram sobre a figura estranhamente nervosa e ansiosa de seu novo chefe, Miguel, que parecia ter amanhecido na empresa aquela manhã. Não seria a primeira vez, claro, mas havia algo de diferente no ar.

Como em todas as manhãs, Rita ligou seu computador de mesa e iniciou o software de gerenciamento da empresa. O que Rita não esperava encontrar, contudo, eram tantos quadradinhos pintados de cinza nos horários de seu chefe. Ora, quadradinhos cinzas geralmente não significavam grande coisa, simplesmente indicavam que naquele horário, por qualquer motivo que fosse, aquele funcionário não estaria disponível... Mas tantos?! Os quadradinhos de Miguel Arango estavam coloridos de cinza das 14h00 em diante. Embora pudesse ser algum compromisso com relação à filha, Rita ainda assim ficou com a proverbial pulga atrás da orelha.

Ela abriu então o calendário da Colucci que costumava ser uma confusão de cores pela variedade de reuniões e afazeres que mesclavam demandas mexicanas e europeias, demandas essas que a chefona equilibrava com a destreza de um malabarista do Cirque du Soleil—o que deveria ser simplesmente enlouquecedor. Ao ver seu quadro de horários, os olhos castanhos da secretária se arregalaram, as sobrancelhas laranjas subiram tanto que quase alcançaram seu couro cabeludo. Se sua velha mãe tivesse ali a mandaria fechar a boca para que não entrasse uma mosca.

Quadradinhos cinzas! Vários! A partir das 14h00!

Algo de errado não estava certo.

A imaginação da Rita começou a entrar em overdrive.

O que poderia fazer dois completos workaholics jogarem quase uma tarde inteira de trabalho fora simultaneamente? Sim, porque talvez esse fosse o choque maior. Desde que a Colucci chegara da Itália e Arango começara na empresa, com exceção à viagem para Tampico, os dois nunca estiveram fora ao mesmo tempo. Sempre haviam revezado, mesmo que de forma não-intencional.

Momentos depois, quando Miguel passou pela mesa dela, e o rosto de Rita ainda demonstrava aquela expressão atônita, Rita decidiu manter o foco e acima de tudo ser estratégica.

"Posso dar uma festa então?" Rita, finalmente o perguntou, com um brilho no olhar puramente maquiavélico.

Miguel gelou com aquela pergunta, seu rosto empalidecendo e os olhos se arregalando ao fitá-la. Aha! Ele com certeza estava aprontando algo!

"F-festa? Como assim festa?"

"Ora, os chefinhos se ausentarão essa tarde..." Ela falou quase cantarolando, "as secretárias bem que tão precisando fazer um Happy Hour!"

"Que tal fazer um happy hour fora do seu horário e local de trabalho num barzinho, Rita, não seria mais divertido?"

Rita o fitou por um longo momento, tensionando a mandíbula, seus olhos como duas riscas.

"É, tem razão... E você, chefinho? Fará uma festinha hoje? Sexta-feira, afinal..."

Nesse momento, Miguel foi literalmente salvo pelo gongo, ou melhor dizendo, o apitar do elevador chegando, suas portas de aço abrindo.

Mia chegou trajando uma calça jeans flare escura e uma camisa marsala por dentro, sobreposto por um casaco bege no melhor estilo detetive. Ela carregava consigo algumas sacolas e uma roupa encapada, pendurada num cabide. Os cabelos cor de mel e dourado estavam presos num coque despojado, algumas mechas soltas emoldurando seu rosto. Como sempre, estava linda e impecável da cabeça aos pés.

"Bom dia!" Mia cumprimentou Rita com um sorriso, "Ritinha, me ajuda com essas coisas?"

Rita prontamente deu a volta em sua mesa e apanhou as sacolas, aliviando o peso que Mia carregava.

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