Eu lembro de quando tudo isso começou como se fosse ontem. Mamãe saindo de casa gritando com meu pai, meu pai em prantos, ela entrando naquele maldito Mustang vermelho e indo embora ao lado de um homem que aparentava ser uns dez anos mais novo que ela. Lembro nitidamente das palavras que papai disse, ele me culpou, por algum motivo, e então me bateu.
Foi um dia que eu gostaria de não ter na minha memória. Três meses depois fomos embora de Hamburgo deixando tudo para trás indo pra Los Angeles, na esperança de melhores condições de vida. Depois de dois meses meu pai desistiu, chegou ao seu limite e se rendeu ao álcool, as mulheres, até enfim chegar as drogas.
(...)
A dor de cabeça era estridente e não deixava de se fazer presente aquela manhã. Levantei tonta e fui até a cozinha, no armário e peguei um analgésico, joguei na boca e engoli com um copo d'água. Percebi que ainda não tinha tomado nenhum um banho desde que voltei da delegacia na noite anterior. Voltei pro quarto e entrei no banheiro com a porta aberta, liguei o chuveiro e nada, novamente, nada.
Merda.
Estou sem água. Tive que recorrer a uma outra opção. Sra. Quinn, uma viúva do andar de cima, cujo o primeiro nome não sei até hoje, apesar de ser uma senhora meio excêntrica foi a única em muito tempo que me ofereceu uma xicara de chá sem me julgar, mas garanto que seria muito melhor sem que em cada gole não viesse pelos de um de seus treze gatos. Bati na porta que foi atendida após alguns minutos de espera.
– Senhorita Schneider? A que devo a visita?
– Bom dia Sra. Quinn, pode parecer meio esquisito o que eu vou pedir agora, mas tudo bem se eu usar seu banheiro? – Ela me examinou dos pês a cabeça e então assentiu. Agradeci e adentrei.
Liguei o chuveiro e nada melhor que um banho de água fria depois de um dia difícil, deixei a água passear pelo meu corpo molhando meu cabelo no processo. Sai do banho revigorada, sentia que havia tirado um peso enorme das minhas costas. Abri a porta do banheiro dando visão para a sala, com a Sra. Quinn sentada em sua icônica poltrona vermelha, com um de seus gatos no colo. Ao me ver levanta num pulo e vem em passos ligeiros ate mim.
– Oh minha querida, acabei de descobrir o que aconteceu com o seu pai, eu sinto muito. – Pressionei os lábios e assenti.
– Ah a senhora se importa se eu fizer umas ligações? — Falei tentando mudar de assunto.
Lembrei do trabalho e da escola, bom minhas chances na faculdade eram agora um sonho vago, que por hora por mais que me doesse deveria deixar de lado. Estava preocupada demais com o presente pra me preocupar com o futuro.
– Claro que não, pode usar o telefone a vontade, quer saber?! Vou fazer um chá com biscoitos, pra ver se melhora essa sua carinha bonita. – Disse dando uma tapinha em minha bochecha, e para ser honesta, um chá com biscoitos era tudo que eu precisava no momento.
Tomar banho não foi a única coisa que eu esqueci de fazer depois que voltei da delegacia, também havia esquecido de comer, mas a fome já era um sentimento tão frequente que as vezes se quer noto.
Liguei para os dois trabalhos explicando minha ausência e em seguida para a escola, que entendeu minha situação e surpreendentemente não mencionou nenhuma palavra sobre o ocorrido da audição passada. Pensei em ligar para tia Marie, mas hesitei, não queria importuna-la, apesar de que acho que deveria saber que o irmão tinha morrido. Então engoli o orgulho e resolvi ligar. Disquei seu número e ao terceiro toque ela atendeu.
"– Casa dos Listing, como posso ajudar?
– Marie Listing?
– Dorothy? É você querida? – Seu tom de voz pareceu preocupado.
– Sim.
– A quanto tempo que não nos falamos meu amor. Aconteceu alguma coisa? – Apesar da distância, podia sentir o carinho na sua voz, mas me mantive firme, não poderia fraquejar agora.
– O meu pai morreu... – Disse seca, então, um silencio do outro lado da linha, depois de uns três minutos então a ouço suspirar.
— Como você está? — Foi a única coisa que disse, sua preocupação comigo era algo inédito pra mim.
— Não sei... cansada, eu acho.
— Ja fizeram o velório, assinaram a papelada, como está?
— Ele vai ser velado e enterrado num cemitério publico na sexta.
— Quer que eu vá pra aí? — Balanço a cabeça e logo descordo.
— Não precisa.
— Você está com alguém? — Olho em volta e vejo a Sra. Quinn.
— Com a minha vizinha. Mas é só pra fazer umas ligações, estou sem água e sem nenhum aparelho telefônico que funcione.
– Dorothy, me escute bem, faça suas malas e fique pronta, você vem pra Alemanha ainda esse mês!
– O que? – Indaguei confusa.
– Não pode ficar aí sozinha, vivendo de restos no lugar onde seu pai faleceu. — Se ela soubesse a quanto tempo eu vivo de restos. — Venha, por favor! – Sua voz soava tão suplicante que chegava a ser doloroso. Mordo minha bochecha pensativa, não tem mais nada pra mim aqui, a única coisa que ainda me prendia a Los Angeles era meu pai, não ficarei la pra sempre, nem aqui, esta é a hora de quebrar as amarras que me prendiam neste pequeno inferno.
– Estarei pronta! – Disse firme."
(...)
Pedi demissão de cada um de meus empregos pegando meu pagamento pelo trabalho que fiz, e em seguida fui a escola, um aviso de suspenção pelo soco em Nova, no momento para mim era algo tão insignificante quanto um grão de areia em meio ao Saara. Minha transferência não seria necessária, validando que estávamos no fim do ano eletivo, meu diploma foi cedido pela direção da escola, juntamente com o aval de minha tia.
Mesmo depois de um certo tempo, ainda não havia derramado uma lagrima pela morte de meu pai, nem em seu velório, mesmo sendo a única presente. Por boa parte de minha vida eu o odiei, ele foi um péssimo pai, isso é um fato inegável, mas foi ele que me apresentou a única coisa pelo que ainda consigo sentir paixão, a música, minha dança. Sou grata a ele por isso, mas só por isso, não consigo sentir remorso, ou dor, ou qualquer tipo de tristeza, não, pelo contrário, eu sinto alivio.
Sinto que finalmente me libertei do meu grande mal, eu soltei minha coleira.
- - -
Chegaste ao fim do capítulo!
O próximo capítulo sai na sexta viu.
Boa tarde pra vocês e até a próxima!
VOCÊ ESTÁ LENDO
You Dream Of The End - Bill Kaulitz
RomanceEra tudo guardado em meio aqueles malditos olhos, mas num tom sem vida alguma, guardando toda a mágoa, tudo que mais doía nela, curada por olhos castanhos que enxergava e curava toda sua dor, a sapatilha vai aguentar? O microfone vai quebrar? As flo...