XXIV. Aquela Emoção

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 Na sexta-feira, Luke acordou cedo e madrugou na mesquita. Apesar de estar enérgico, agitado, também esteve muito mais solene durante o sermão e as orações do dia.

Tinha muito a agradecer e usou toda a manhã para isso, sem a menor pressa ou preocupação. Ao voltar para casa, teve sua refeição e se recolheu.

Já era habitual não tocar em trabalho nas sextas, mesmo nos dias de folga. Contudo, o comportamento diferenciou quando ele deitou para fitar o teto, perdido em pensamentos.

— Pensativo... — Luiza o despertou de seus pensamentos.

Ela ainda estava com a mão na maçaneta e não entrara completamente no quarto. Bateu por duas vezes, mas Luke não estava suficientemente ligado a realidade para ouvir.

— Minha mãe! — Luke se sentou à cama rápido. — Está precisando de algo? Esqueci de avisar que subiria.

— Não... não preciso de nada. — Ela entrou, fechando a porta. — Fiquei preocupada... meu filho correu a semana toda, louco com seu trabalho... e, de repente, ele só parou.

— Não trabalho às sextas... a senhora sabe! — Ele riu.

— Nem fica no quarto... deitado... Sente algo?

Aproximando-se, ela pousou a mão na testa de Luke.

— Não parece febril.

— Estou bem, minha mãe — riu. — É a jumu'ah, eu acho.

— Você há de convir que isso não é normal! — insistiu.

Luke acabou rindo e sua mãe sentou ao seu lado.

— Na infância, eu ficava ansioso para o aniversário... só para ouvir de Qays e Layla... que a senhora e o pai triunfaram.

Ambos acabaram sorrindo com a nostalgia.

— Não saberia dizer a emoção que eu sentia quando a senhora me dizia que o casal da lenda, que vocês, viveram o princípio de um milagre... que eu era esse milagre concretizado para vocês... parte do que torna eternos... a senhora e o pai.

— Sempre será! — reafirmou. — Símbolo do milagre da vida e do amor que Deus permitiu quando me guiou ao seu pai.

Luke deu um tímido sorriso e o olhar estava distante. Luiza não saberia dizer se era um olhar feliz ou triste, simplesmente indecifrável — algo que ela não lidara até então.

— Quando completei quinze anos e o pai falou de casar pela primeira vez, ele já tentava me aproximar da Paola e eu já conhecia as intenções dele com isso — riu.

— Avisei que você não era bobo! — Luiza também riu.

— Teria funcionado mais, se eu não tivesse ouvido uma conversa dele com o pai da Paola — confessou para a mãe.

Luiza ficou nitidamente surpresa e ambos riram.

— Sempre esperei que, um dia, eu olhasse alguém... e sentisse o que fez de Qays um louco poeta no deserto...

Luke engoliu seco e abaixou a cabeça, respirando fundo.

— Assim me deixa preocupada. — A mãe ficou mais séria. — Aconteceu algo? As coisas com Amanda não deram certo?

— A-acho que o contrário... — Ele arfou e os olhos encheram de lágrimas. — E-eu acho que encontrei minha Layla... achei e fui tocado por poesia.

Bastou piscar e uma das lágrimas correu.

Assumir em voz alta fez seu corpo arrepiar.

— Isso não deveria ser bom? — Luiza se preocupou, enxugando o rosto do filho. — Sua mãe acha ótimo!

— É bom! — sorriu largo. — Eu só me sinto muito grato... e fico assim, sabe!? Sempre acreditei... e já começava a pensar que eu realmente não merecia...

— Ah, que bobo! — Ela o abraçou, rindo. — Claro que merece. Quantas mães e pais podem se orgulhar de ter um filho como você? — Acariciou os cabelos do filho.

— Suportei muito, sabe, minha mãe?

— O mundo lá fora é muito difícil — assentiu.

— Nas vezes que briguei no colégio foi quando eu não podia me deixar ofender por ser quem sou, advindo de onde venho e fiel servo de Allah... sempre! — suspirou.

— Ainda foi errado, mocinho! — Ela o repreendeu.

— Sei que foi... tento me arrepender até hoje. Lidei com aqueles indivíduos seguindo com suas vidas... lidei com a sensação de injustiça, eu acho... talvez inveja — riu.

— Nem precisava.

— Sei que não, mas a vida de todo mundo sempre pareceu apenas seguir, sabe? Com uma normalidade desconcertante... aprendi todas as etapas da vida e me sentia estagnado.

Voltando a respirar fundo, ele olhou para a mãe.

— Eu me esforcei muito com tudo! Poderia não frutificar jamais e sei disso... a recompensa está muito mais longe — riu —, mas estou me sentindo recompensado.

— Esse é o motivo pelo qual meu filho chegou tarde da noite em casa? Aprontando, Malik? — Ela o indagou, rindo.

— Mariana me chamou para acompanhá-las numa dessas festas — deu de ombros. — Foi naquela churrascaria grande e eles até têm um cardápio halal! — sorriu.

A fala deixou sua mãe tão surpresa quanto ele ficou.

— Sertanejos que nunca ouvi falar estavam lá. As moças estavam animadas, mas consegui fazê-las moderar na bebida.

— Ótimo trabalho! — Luiza riu.

— Ela me chamou para dançar na noite... não sei dançar — riu —, mas aceitei por me sentir bem e acabamos nos beijando.

Luiza sorriu, observando o olhar do filho se distanciar.

— Por muitas vezes, o corpo pregou peças, me fazendo crer que... devia ter alguém... talvez pelo celibato, não sei — deu de ombros. — Nunca soube como seria, sabe!?

— Sua mãe entende muito bem! — Luiza riu.

— Eu só consigo afirmar que encontrei a minha Layla por entender que Qays e Layla estiveram destinados e ligados por algo muito maior do que jamais poderiam entender.

— Muito maior!

— Já estou habituado às vontades do corpo... mas, eu não consegui negar aquele beijo porque não foi uma vontade do meu corpo... Não foi a inexperiência... e foi muito forte!

Confessar àquilo à mãe não era uma tarefa fácil e ele acabou ficando acanhado. Fugiu o olhar e assentiu com a cabeça repetidamente.

— É ótimo saber que realmente terei uma nora! — Luiza tentou descontrair. — Desejo que seja muito feliz. Tão ou mais feliz do que seus pais são.

— Tenho fé que serei, minha mãe. Hoje, tenho mais fé do que jamais tive! Menos fé do que terei amanhã.

— Lembre-se de tomar cuidado e se manter afastado que é haram... entendeu, mocinho? — alertou, beijando sua testa.

— Não esquecerei disso. Só tive segurança porque não estava agitado, nem nada disso — sorriu-lhe. — Já tive tempo para me conhecer e saber quando posso ou não lidar.

— Imagino, mas é difícil lidar. Mesmo transcendendo desejos frívolos da adolescência, ainda viverá um desejo mais avassalador... e precisa se casar, antes de ceder!

— Sim, senhora! — Novamente, ele lhe sorriu.

— Parabéns! — comemorou, rindo. — Podemos descer e sua mãe cozinha algo para comemorar esse dia maravilhoso!

Luke assentiu e a acompanhou à cozinha.

Mesmo que não quisesse, Luiza ainda se incomodava com o filho quieto no quarto e nada melhor que sua forma extrovertida de ser para distraí-lo.

Subitamente, o dia se tornou festivo.

Ele se juntou à mãe para cozinhar e trabalharam no bom arroz com lentilhas e carne de cordeiro que ele tanto gostava.

Para Sempre LaylaOnde histórias criam vida. Descubra agora