{XXXIV} Traidor

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"O crime só compensa se você tá junto
Somos um do outro, somos tão do mundo
Me chama pelo nome, vem me ver
Eu não quero amar, eu quero você..."

— Coringa, Jão

P.o.v. Narrador

Logo que terminou de ler a carta, Pedro caiu de joelhos no chão do seu quarto.

Ele não queria acreditar naquelas palavras, porem era meio óbvio o que tinha acontecido.

Ele tinha acabado de chegar da sua missão, ficara três dias fora do palácio, e quando voltou, ouviu pelos corredores os rumores de um "traidor", mas ele não imaginou do que se tratava.

Antes que pudesse sentir seu luto, ele ouviu umas batidas na porta de seu quarto, provavelmente algum parceiro de tropa vindo lhe dar aquela notícia.

Porem, antes de abrir, escondeu sua carta em uma das suas gavetas e secou as suas lágrimas.

Quando abriu a porta, Malu estava lá.

Malu: — Pedro! — Chama, com um certo peso na voz.

Pedro: — Boa noite Malu, entre. — Diz dando passagem para ela e se sentando na própria cama.

Ela entrou e se sentou ao lado dele, Malu estava sem farda, apesar de manter a espada em sua bainha, o que fez Pedro perceber que ela não estava ali para falar como sua superior.

Mas como sua amiga.

Ela perguntou como ele estava, Pedro mentiu, dizendo que seu jeito abatido era apenas o cansaço da sua missão de três dias. Ela não insistiu.

Malu contou tudo para ele, sobre o que haviam descoberto sobre o João, pelo Renan, e que ele havia fugido e agora estavam a procura dele.

Por ser um cavaleiro experiente, Pedro sabia bem como mascarar suas emoções, mesmo que aquilo o destruísse, ele não demonstrou.

Malu: — Enfim. — Ela suspirou. — Eu quis vir te contar pessoalmente, porque sei que isso pode te abalar. — Finaliza. — Mas, pode ficar tranquilo, não vou te escalar para as buscas.

Pedro: — Você não confia em mim, Malu? — Questiona.

Malu: — Como assim?

Pedro: — Você não quer me escalar porque acha que trairia nosso reino, que se reencontrasse João eu deixaria meu coração falar mais alto que minha lealdade? Porque se acha que despeitaria a memória dos meus pais dessa forma eu...

Malu: — Pedro! — Ela levanta a voz e o interrompe. — Eu JAMAIS duvidaria da sua lealdade! Sei o quanto estar na tropa é sua vida, sei como você sempre honra a memória de seus pais. O general Marte me mandou aqui porque queria que eu te perguntasse se você sabia de alguma coisa, se você suspeita algum lugar onde ele possa estar, mas eu não vou te perguntar nada disso porque confio na sua lealdade, sei que se você soubesse de algo, teria nos contado.

Pedro: — Marte acha que eu sou um traidor?

Malu: — Se achasse isso ele teria vindo te questionar ele mesmo, me mandou apenas porque queria confirmar, mas eu não preciso de confirmação, não de você, Pedro que teve nos braços o próprio príncipe e o largou por não querer abandonar o reino! Eu sei que você jamais nos trairia.

Pedro sente que se aquelas palavras fossem lanças cravadas em seu peito, teriam doído menos.

Malu era sua melhor amiga, a única família que o sobrara após a morte dos seus pais, e ela confiava nele, acreditava que nunca trairia o reino. 

Mas ele era um traidor.

O que seus pais pensariam a seu respeito?

Pedro: — Cavaleiros nunca devem confiar cegamente. — Lembra-se dos ensinamentos que ouvem desde que são crianças.

Malu: — Mas a gente sempre confia. — Ela dá um leve riso. — E sei que não tenho que temer por sua fidelidade, no fundo, mesmo Marte sabe, não quis te escalar nas buscas porque sei que ainda que você tenha descoberto a traição, vai doer ter que apontar a espada para alguém que você amou.

"Amou" no passado, não condizia bem com os sentimentos de Pedro.

Malu: — Sei que você faria a coisa certa, independente de qualquer sentimento, mas ainda assim, não quero te ver sofrendo.

Pedro: — Me escale nas buscas, Malu, — Ele insiste. — Já tive outras decepções amorosas, o Jão foi só mais um. — Diz, tirando a aliança de seu dedo e a jogando sobre a pequena mesa de cabeceira.

Malu: — Descanse essa noite, Pedro, sairemos em sua procura, mas se não o encontramos, amanhã cedo, você liderará a missão. — Afirma — Mas, você não precisa fingir que não dói para mim, Pedro, sei que, no fundo, seu peito ainda arde, paixão é assim, entendo que vai levar um tempo pra curar. — Finaliza.

Pedro segura seu choro, mas sente uma lágrima teimosa escorrer por seu rosto.

Pedro: — Você faria uma coisa por mim, Malu?

Malu: — O que você quiser.

Pedro: — Se encontrar o João essa noite, mate-o!

Malu: — Como?

Pedro: — Sei que o soberano tem planos para torturá-lo aqui no castelo, fazê-lo sofrer pelos anos que os piratas nos atacaram, eu já sofri nas mãos de reis o suficiente nas minhas missões em reinos inimigos, e não desejo isso nem mesmo a um traidor como João, então se o achar, o mate, acabe com a ameaça pirata de uma vez por todas! Pode fazer isso por mim?

Malu: — Levaremos as flechas! — Ela diz e abraça o melhor amigo. — Te amo Pedro, sabe disso, não sabe? Você é minha única família.

Pedro: — Eu também te amo, Malu.

Ela se retira dos aposentos de Pedro para deixá-lo descansar e se preparar para mais uma busca. Dessa vez seguiria sua recomendação e caso achassem João, trariam apenas seu corpo para o castelo.

Logo que trancou sua porta, o cavaleiro jogou-se na sua própria cama e chorou.

Quando a lua cheia brilhou no céu noturno, ele orou aos deuses implorando pra que não encontrassem João naquela noite.

Torcia pra que ele estivesse bem longe de onde pudesse ser achado, imaginou que talvez ele tivesse voltado para o mar.

Mas era pouco provável, Malu o contara que a tropa fizera uma minuciosa busca no porto e nos navios pesqueiros nas últimas noites, se Jão tivesse ido na direção do mar, eles teriam achado.

Por um breve instante pensou em fugir do castelo, procurar João por conta própria, dar um jeito de fugir com ele para bem longe do reino.

Mas desistiu, sabia que era arriscado, ele garantiria mais a segurança de João se seguisse na tropa, participando das buscas, se certificando de que ninguém feriria seu amor.

Também pensou em seus pais, e na Malu, como deixaria a pessoa que crescera com ele?

Ele pegou novamente a carta, e releu até que seus olhos pesassem de sono, sentindo o cansaço dos dias fora finalmente o vencer.

Mas antes de dormir, Pedro pegou de volta sua aliança.

Porém, não a voltou para seus dedos, ele a colocou em seu cordão, que sempre mantinha entre sua farda e sua bata, junto ao pingente que ganhara do seu pai na última vez que o viu.

A última lembrança das pessoas que mais amava.

Ele apertou a aliança junto ao peito, e pediu aos deuses do amor que Jão estivesse bem, onde quer que estivesse.

Pediu que pudesse o reencontrar, uma vez que fosse, nem que fosse pra se despedir.

Então, segurando o que lhe sobrara do seu grande amor junto ao seu coração, Pedro adormeceu.

"Eu tenho tanto para falar, você conhece o meu navegar, uma parte de mim tem medo e outra parte quer ficar..."

Mas Eu Sou Um Pirata... - PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora