Já estamos nos preparando há quase um ano, cada dia que passa a ansiedade consome mais meus pensamentos. Quanto mais nos aproximamos no final do prazo que preparei para essa etapa, mais eu fico inquieta. Amaya quase não tem falado, ela parece sempre distante, às vezes é como se ela nem estivesse aqui. Nos últimos dois meses ficamos numa casa de campo bem isolada, precisava que ela aprendesse a atirar, e algo me dizia que como ela era extremamente disciplinada isso não seria um problema. Mas o primeiro contato não foi fácil, ela hesitou bastante mas todas as vezes que ela tinha essas atitudes eu era obrigada a lembrá-la pelo que estávamos ali. Confesso que me odiei cada vez que fiz isso, mas era o único jeito de trazê-la para realidade. Eu sabia que ela estava lutando contra tudo que ela sempre achou certo, mas ideias não nos protegem de gente como as que íamos enfrentar...
Eu tenho ido com frequência ao centro da cidade para fazer ligações e conseguir informações. Numa dessas idas consegui um contato que seria fundamental para a próxima etapa. Precisávamos entrar no território deles, e obviamente que aparecer do nada geraria desconfiança mas eu estava tomando cuidado com cada detalhe. Quando voltei, estacionei o carro, entrei em casa e não vi Amaya em parte nenhuma mas tinha uma idéia de onde ela estava, onde eu sempre a encontro quando volto, na parte externa dos fundos da casa onde ela tem treinado tiro. Ela tem feito isso todos os dias, acorda muito cedo e fica até o final da tarde. Cheguei próximo da mesa onde ela está limpando e montando a arma, nem se deu ao trabalho de me olhar. Parecia muito concentrada.
Yoru: Precisa aprender a trancar as portas...
Amaya: Eu sabia que era você.
Yoru: Que bom. E o treino de tiro como foi?
Quando eu terminei de falar, ela carregou a arma e apontou para o alvo no fim do terreno da casa e atirou 3 vezes, todas no centro do alvo.
Amaya: Foi bom... estou melhorando.
Yoru: Estou orgulhosa. Agora podemos começar com as facas.
Amaya: Você gosta de facas... eu prefiro ficar com as armas.
Yoru: Você precisa ter opções, seria bom se você ...
Amaya: Acredite, as armas são o suficiente.
Ela largou a arma e ficou me encarando irritada.
Yoru: Qual problema?
Amaya: Eu só estou, precisando de um tempo. Um tempo sem armas, sem facas, sem conversas desconfortáveis sobre os homens que eu tenho que seduzir. Eu preciso dormir um pouco, dormir de verdade.
Yoru: Eu sei oque você precisa, faz tempo que você não tira um tempo pra fazer alguma coisa que você gosta... ler um daqueles seus livros ou ouvir música... Dançar um pouco talvez, isso sempre te fez bem. Eu vou precisar sair por uns dois dias, aproveite pra fazer isso. Quando eu voltar espero ter o restante do que precisamos para dar o próximo passo.
Amaya: Pra onde você vai?
Yoru: Tóquio
O olhar dela mudou de novo... ela sempre ficava assim quando eu falava de lá, tem algo incomodando ela, e é isso está me deixando preocupada.
Yoru: Sabe Amaya, nós já conversamos sobre o quanto isso é perigoso, e sobre o quanto é importante confiarmos uma na outra não?
Amaya: Várias vezes, às vezes parece que você duvida que eu seja capaz de compreender.
Ela terminou de falar e começou a guardar as coisas que estavam na mesa, realmente parecia inquieta. Podia ser só medo, insegurança mas parecia ter algo mais.
Yoru: Se quiser conversar eu...
Amaya: Eu não quero conversar Yoru! Eu não consigo, porque tudo isso me deixa mais triste e eu não posso ficar triste agora. Eu preciso me concentrar no que eu tenho que fazer, mas tem muita coisa me atormentando, na verdade sempre teve, elas vão se acumulando e me sufocando e você só me faz lembrar de cada uma quando começa com essa história de conversar. Não quero desabafar, não quero abrir meu coração porque se eu fizer isso eu vou desabar e talvez desista de continuar viva porque eu já tive muitos motivos pra pensar nisso. Mas agora... agora eu só quero pensar nas únicas coisa importantes pra pensar.. que eu te amo e que precisamos fazer isso. Então... só me deixa quieta por favor.
Quando ela terminou de falar eu pude ver as lágrimas que ela não deixava cair. Ela guardou tudo e respirou fundo.
Amaya: Vou fazer alguma coisa para comer... está com fome?
Yoru: Estou...
Amaya: Certo... só me preciso de um banho e já vou começar a preparar alguma coisa.
Yoru: ok..
Ela foi pra dentro e eu fiquei mais uma vez pensando que talvez pudesse ter deixado ela fora disso... isso era um pensamento que me assombrava diariamente. Mas perceber o quanto ela estava mudando também me fazia pensar que podia ser bom para ela, enfrentar seus medos e perceber que ela pode se proteger sozinha. Ela nunca mais ia ser a mesma, isso tinha seu lado ruim mas o lado bom também existia, ela podia se proteger de qualquer coisa sem precisar de ajuda.
Quando estávamos jantando, ficamos num silêncio desconfortável por quase todo jantar, ela parecia muito cansada, talvez não quisesse conversar, mas eu sentia necessidade de falar com ela.
Yoru: Quer que eu traga alguma coisa pra você... Se precisar posso comprar. Desde que não seja munição. Isso chamaria atenção.
Fiquei esperando uma resposta como livros, ou sei lá algo para distrair. Ela gostava tanto de ler quanto gostava de dançar. Ela sempre sorria enquanto dançava ou quando estava com um livro nas mãos, e eu sentia falta daquele sorriso... que ironia, logo eu que sempre cobrei que parasse de fugir da realidade.
Amaya: Preciso de tinta de cabelo, e se você encontrar... e lentes de contato.
Isso me surpreendeu. Aquelas palavras estavam cheias de determinação e frieza, ela nem me olhou enquanto falava e foi quase como uma resposta pra tudo que eu tinha feito para que ela mudasse, foi como se ela dissesse: "Era isso que você queria? Pronto, eu mudei!" Eu sentia quase como se ela estivesse me desprezando ou castigando.
Yoru: Claro... eu acho que você sabe, mas só pra te lembrar os seus treinos de luta na cidade começam amanhã... Você pode usar o outro carro. Tente...
Amaya: Eu lembro. Vou ser discreta.
Ela terminou de jantar e ficou esperando que eu dissesse mais alguma coisa, como se não tivesse mais porque ficar ali. Se ela queria que eu me sentisse mal, conseguiu. Eu definitivamente estou me sentindo uma droga.
Amaya: Vou lavar os pratos e dormir. Hoje foi cansativo e amanhã vai ser agitado.
Yoru: Tudo bem... Boa noite. Se você precisar pode ligar pro número que eu deixei para emergência.
Amaya: Claro... Boa noite.
Esse "boa noite'' conseguiu ser mais frio do que ela tem sido durante todos esses dias. Eu definitivamente merecia isso, não podia reclamar dela estar indo pelo caminho que eu coloquei na frente dela, seria muita hipocrisia da minha parte. Eu só sentia falta da Amaya que me fazia sentir que ainda existia algo de bom no mundo. Eu não queria que ela se tornasse uma versão de mim. Mas agora não podíamos voltar atrás, talvez um dia, ela tenha a chance de ser quem ela quer ser, ter uma vida normal e poder viver normalmente. É pra isso que eu vou fazer tudo que estiver ao meu alcance pra ela sair dessa situação salva. Nem que pra isso ela seja a única a sobreviver. Que seja ela, com certeza ela merece muito mais do que eu. Mesmo em meio a tudo isso, mesmo depois de tudo que fizeram com a gente, ela seria capaz de seguir em frente sem rancor. Eu.. bom, sem chance. Eu admiro muito você Amaya. No fim das contas você é muito mais forte do que eu jamais serei.
Organizei tudo antes de dormir, preparei minhas coisas para a viagem e antes de dormir fui para varanda da casa, acendi um cigarro e por alguns minutos só fiquei olhando em volta, aquele lugar era lindo, uma paisagem calma, no campo longe de tudo. Parecia um sonho. Depois daquela discussão com a Amaya quando nos reencontramos, eu fiquei me perguntando qual foi a última vez que tive um sonho, quando foi a última vez que eu desejei alguma coisa que não tivesse a ver com tudo de ruim que já nos aconteceu, quando foi que eu parei de acreditar nas coisas boas. Eu mal conseguia lembrar das coisas que vivi quando era mais nova, quando tínhamos nossos pais com a gente. Eu só lembrava das cicatrizes, dos pesadelos... Talvez seja porque as coisas boas desaparecem na escuridão, ou eu nunca tive momentos bons o suficiente para sobrepor tudo aquilo. Ou talvez seja isso que eu mereça. Lembrar do que dói pode ser bom, nos prepara para coisas piores.
Mais uma vez a Amaya tinha razão... ficar triste não vai ajudar agora. Estamos cada vez mais perto, e não tem espaço para nostalgia agora.
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Secret
FanfictionEssa história gira em torno de duas personagens, Amaya e Yoru, duas irmãs que enfrentaram juntas uma infância traumática e conseguem uma chance de recomeçar, infelizmente para segurança de ambas essa nova oportunidade elas devem viver separadas. Ela...