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Capítulo I Mudanças (Amaya)

Março 2005
Começar de novo, do zero. Uma nova chance, uma nova vida. Eu tenho que fazer valer a pena. Talvez aqui eu possa ter uma vida, talvez eu possa ser alguém... alguém que nunca pude ser.
A casa é pequena mas é o suficiente. Amanhã eu começo minhas aulas, preciso ser discreta, preciso manter meu foco. Ser como um fantasma. Bom, isso não vai ser difícil já que desde que meus pais morreram eu acho que sempre fui uma sombra... nisso minha irmã era diferente de mim. Ela sempre foi mais forte.
...
A escola é tranquila, ninguém fica puxando assunto comigo, tirando algumas garotas que conversaram comigo na aula e de certa forma foi bom, pelo menos tive com quem fazer os trabalhos e pegar informações... Elas falam demais, sobre muitas coisas sem importância: sobre os garotos da turma, professores, as outras garotas e falaram muito sobre uma gangue ou algo assim. Pelo jeito todas são apaixonadas por eles. Voltando pra casa, eu só consegui pensar na última semana que passei antes de vir pra cá... Prometi que não ia mais chorar, mas lembrar de tudo que eu deixei pra trás me faz duvidar que eu mereça essa nova chance. Será que fugir foi a atitude certa? Abandonei as poucas pessoas que restaram na minha vida pra me salvar
Vou preparar algo pra jantar, tomar um banho e dormir. Amanhã começa tudo de novo. Eu ainda demoro muito pra conseguir dormir. Preciso relaxar mas vai demorar pra me sentir segura, mesmo com as portas e janelas trancadas, longe de tudo ainda parece que a qualquer momento vou acordar naquele inferno de novo.
...
Acordei no meio da noite...Parece que o meu coração vai explodir.
Já sei que não vou conseguir dormir, então vou organizar algumas coisas da mudança que eu ainda tinha que guardar e esperar a hora de ir pra aula. Ainda estou tremendo um pouco por conta dos pesadelos da noite passada, mas já estou acostumada...
(Porque??? Porque parece que eu não consigo me livrar disso, porque não consigo sair de lá? Porque mesmo longe parece que vai começar tudo de novo??)
...
Os dias vão passando, iguais, uma rotina normal sem nada que possa chamar atenção. E isso é bom no fim das contas, quase não falo com mais ninguém além das garotas da minha sala. Saio de casa pra escola e da escola pra casa, nos meus intervalos tento ficar na sala, só saio quando elas insistem muito. E sinceramente o assunto é sempre o mesmo, e eu até já tentei me enturmar mas não consigo. Além da tal gangue de motoqueiros que elas vivem falando tem o tal garoto que elas tanto amam. Que eu nunca vi, mas elas parecem descrever um Deus. Como eu nunca presto muita atenção quando elas começam a falar dele, não sei muita coisa além de que ele é o Líder dessa gangue que parece ser bem conhecida por aqui. Não consigo dar atenção para as conversas delas.
(Sempre que eu chego meu vizinho está saindo de casa aos gritos, ele parece ter a mesma idade que eu, mas hoje vi ele sair com um grupo de garotos de moto. Será que todo mundo por aqui é de algum grupinho de motoqueiros?)
...
Já passou um mês, tudo normal, a mesma rotina estou indo bem mas preciso arrumar um trabalho, o dinheiro que eu tenho vai acabar em algum momento. E uma das minhas colegas comentou que tem uma vaga de meio período na cafeteria onde ela trabalha. É no caminho da escola pra casa, posso voltar caminhando e vou conseguir pagar minhas despesas. Vou passar lá hoje depois da aula.
Passei o intervalo no pátio, tentando parecer interessada nos assuntos das minhas colegas. Mas sinceramente nem ouvia direito. Só prestei atenção quando falei com uma delas sobre a vaga na cafeteria e ela disse que a mãe dela estava me esperando. Enquanto isso o assunto das demais era o tal delinquente.

(...)- Vocês sabem que todo mundo respeita ele por aqui, ninguém ia fazer nada sem a autorização do Mikey... Acho que podíamos ir assistir as lutas, talvez ele esteja lá ?
Amaya: Ele quem?

(...)- O Mikey! Nossa, você não escuta nada que a gente fala..

Amaya: - Ahhh o motoqueiro, sim! Desculpa é que estou preocupada com a questão da vaga de trabalho, depois vocês me contam como foi.
Eu tinha que estar na cafeteria às 18hs mas saí da escola e fui direto para caminhar um pouco por lá, sinceramente não entendo elas. Lutas? Gangues? Nem pensar...
...
Gerente: Então você pode começar amanhã.
Amaya: Muito obrigada pela oportunidade, vou dar meu melhor! A senhora não vai se arrepender.
Eu sai da cafeteria tão aérea que nem percebi que já estava anoitecendo, parecia que ia começar a chover, e aquele cheiro que lembrava da chuva me trouxe uma sensação nostálgica, caminhando pra casa só pensei nos momentos bons que vivi na minha antiga casa (foram poucos, mas eu lembrava de cada um e na maioria minha irmã sempre esteve comigo).