Capítulo 16

1.3K 157 25
                                    

— Sim, papai, eu estou bem. Não há motivo para toda essa comoção. Eu só... Me esqueci de ligar. — Pareço ser uma péssima filha quando uso esse tipo de argumento para me justificar da ausência, mas minha vida esteve tão louca durante esses meses entre o fim da faculdade e a busca por um emprego que simplesmente me esqueci dos meus pais — fora todas as léguas que Stella me faz percorrer diariamente —, e me sinto culpada admitindo isso para mim mesma.

Lena, estivemos preocupados. Faz muito tempo desde que nos ligou pela última vez. Nem nos avisou como foi naquela entrevista de emprego super-importante.

A última vez que nos falamos foi antes de eu tentar a vaga na Vogue, o que já faz mais ou menos três semanas. Ok, tenho sido mais que ausente com eles e me arrependo. Sim, sou uma filha ruim.

— Consegui passar. Desculpe não ter avisado.

Conseguiu? Que ótimo! Rezamos tanto para a Virgem Maria interceder por você... Olga, ela conseguiu! — ouço papai se animando do outro lado da linha com minha mãe, que pega o celular e me enche de perguntas. Respondo cada uma delas cuidadosamente. É o mínimo que posso fazer depois de ter estado tão ausente desses dois. Amo meus pais. Eles são um pilar central na minha vida. Conto sobre tudo sobre meu trabalho também, que estou saindo com um bom rapaz chamado Gabe e falo principalmente sobre minha chefe. — Santa Guadalupe, essa mulher parece terrível. O que ela têm para ser tão amarga? Te fazendo passar por essas coisas... Eu quero falar com ela!

— Não. Mãe, definitivamente não. — Pensar em Stella Falcone e Olga Hathaway em uma única frase causam-me calafrios. — E ela está melhorando comigo aos poucos. — Realmente Stella têm estado mais suportável do que na primeira semana que entrei aqui. Quer dizer, todos os demais funcionários veem chifres na testa dela sempre, mas acho que conviver de perto e aturá-la cinco dias na semana está me deixando imune ao seu veneno. Não importa quantas vezes ela tente me fazer desistir desse emprego ou chorar de frustração; eu sempre consigo entregar sorrindo tudo que ela me pede com fogo nos lábios. Ela não vai me vencer.


✿ ✿ ✿

Na sexta, estou otimista por estar vencendo outra semana com Stella Falcone. Nenhuma de nós mencionou outra vez o incidente de sábado passado. É como um evento que nunca existiu. Como de costume, passo na cafeteria e encontro Gabe servindo algumas lindas moças louras. Devem ser gêmeas. Ele não flerta com nenhuma delas. Espero minha vez na fila. O semblante dele se ilumina ao me ver.

— Uau, minha cliente favorita decidiu me dar o ar da graça. — Gabe diz. — Posso perguntar o que estava fazendo ontem? Dormiu cedo?
Nego.

— Na verdade, falei com meus pais por algumas horas ao telefone.

— Seus pais?

— Sim. E eles parecem gostar de você.
Gabe bate os cílios.

— Falou de mim para o senhor e senhora Hathaway?

— Pode apostar. Só elogios. — Afirmo. — E, claro, eles odeiam Stella.

Ele ri.

— Não é de se esperar menos. Adoro esses dois.

— Eu também. E te adoro..., Só que preciso do café antes que Stella me dê uma bronca. Estou levemente atrasada hoje.

— Pode deixar, senhorita. — Gabe se vira e vai preparar a bebida. Eu fico de olho na bunda maravilhosa que ele têm dentro dessa bermuda jeans. Não pode ser considerado assédio quando nós estamos tendo um lance, pode? Quer dizer, ele me levou para jantar na quarta-feira e comemos hot dog na praça. — Cinema no sábado? — certifica-se antes de entregar o copo.

— Pode apostar.

Nos despedimos sem um beijo. Corro para a Vogue na maior pressa que meus saltos conseguem produzir. O céu está escuro, cheio de nuvens pesadas azuis que ameaçam despencar um dilúvio terrível. Chego a empresa sem me molhar, para a felicidade da minha roupa. Eu, por acaso, encontro Stella já na recepção e congelo. Savannah, que está com ela, arregala aos olhos ao me ver e cutuca Stella. Não preciso de mais para entender que essa é minha deixa. Sem poder pegar o elevador para evitar passar por elas, me retiro no maior silêncio que meus saltos conseguem produzir para a porta que dá as escadas e subo de dois em dois para o andar superior. Saio na porta da direita.

— Ela chegou! — alerto.

Um alarme soa.

— O quê?

— Está adiantada?

— Meu Deus, cadê o meu grampo de cabelo? Ela odeia minha franja assim! — a comoção diária se instaura, formiguinhas se apressam no formigueiro para que tudo esteja no gosto adequado da Rainha do Inferno. Aperto o botão do elevador. Agora eu só preciso subir para a sala dela, deixar o café e fingir que estou aqui a muito tempo. Para minha infelicidade, Stella está dentro da caixa metálica quando as portas se abrem. Meu brilho desaparece. — Senhora Falcone...

— O que faz com meu café no segundo andar?

— Eu já estava subindo com ele. — Hesitante, entro dentro do elevador , percebendo que não há escapatória e dizer que ela pode ir na frente resultará em uma má resposta. As portas se fecham. Nós ficamos em silêncio. Stella usa óculos grandes em cima do nariz e um casaco que imita pele de leopardo branco. É, de longe, um dos visuais mais marcantes que vi nela desde que cheguei aqui — olhe que ela se supera todo dia. — Hum, soube que o Met Gala está se aproximando...

— Sim.

— A lista de convidados...

— Em produção.

— E o tema...

— Pensado.

— Quanto ao código de vestimenta...

— Vai ser adequado.

Ela mal me dá brecha para falar. Penso em como seria prazeroso virar esse esse líquido em minhas mãos em cima da cabeça dela e vê-la surtando. Meu Deus, me enganei ao pensar que estávamos progredindo. Stella continua... impossível. As portas se abrem no nosso andar. Stella faz um gesto com o indicador.

— Vá a cozinha esquentar meu café no microondas. Deve estar quente depois de todo o tempo que perdeu lá embaixo. — E me deixa para trás.

Conto de zero à dez. Quais as chances de um raio cair na cabeça dela e fazer a vida de dezenas de pessoas muito mais felizes?

✿ ✿ ✿

OdiávelOnde histórias criam vida. Descubra agora