Capítulo 2

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Tudo bem, Elena. Não pode ser tão ruim quanto parece, iludo a mim mesma. Minha cara está engessada. Busco afastar a sensação ruim em minhas veias, dizendo que isso faz parte do processo.

Quem nunca teve uma chefe vadia na vida? E Stella pode apenas estar num dia ruim, talvez de TPM. Fico sensível nesses dias, mas algumas mulheres acabam desenvolvimento um temperamento mais... feroz. Ah, a quem quero enganar? Já havia boatos de Anna Wintour ser uma megera. O que Savannah quis dizer dentro do elevador é que Stella também é uma. Reluto em manter minha pose intacta de quem não se abalou.

— Bom, peço desculpas pelo atraso de Elena. Eu estava mostrando as coisas para ela. — Savannah sai em minha defesa.

— E você continua não sendo minha possível assistente. — Stella retruca.

Savannah me olha como quem quer dizer "eu tentei" e retribuo um sorriso agradecido de encorajamento. Ela se retira, fecha a porta e cá estou eu, sozinha com a editora-chefe da revista mais vendida no mundo. Tenho a impressão de que tudo que eu disser pode ser usado contra mim, mas ao mesmo tempo não quero parecer uma anta bobalhona esperando que ela dê ordens para que eu faça algo — ainda que seja meu primeiro dia na empresa.

— Eu peço imensas desculpas por minha falta de horário, senhora Falcone... Posso recompensar ficando depois do expediente ou chegando mais cedo amanhã. — Mais cedo ainda.

Ela passa bons dez segundos terminando de digitar, aperta a tecla de enviar e relaxa um pouco. Agora tenho sua atenção sobre mim, inteiramente, penetrando minha pele. Stella é uma agulha sugando meu sangue, querendo beber tudo que têm direito até a última gota com seu julgamento amedrontador. Como eu, ela está com uma camiseta de botões, perolada, e blazer escuro repleto de tulipas cravejadas brilhando por cima. Não ouso me desviar de seu rosto, mas quero muito ver o que ela calça nos pés. Tenho quase certeza de que...

— Então você é Elena. Elena Hathaway, não é isso? — questiona. Assinto. — Vi sua ficha no dia da entrevista e aprovei o teste. Suas respostas... Foram acima da média. Claro, qualquer uma que estudasse moda de verdade faria o mesmo... Só foi a menos fútil. — Ela se recusa a dizer que me sai bem. Era de se esperar, contudo.

— Não concordo, senhora Falcone. As questões eram bastante compreensíveis, mas foram elaboradas em cima de uma pilha de textos interpretativos, o que requer um pouco mais da área de humanas e língua inglesa. Nem todos estão acostumados com termos arcaicos.

— Resumindo: minha prova não foi bem elaborada para gênios de intelectos medíocres.

— Bem, não...

Em todo caso. — Stella interrompe meu raciocínio. — Você está aqui para trabalhar, não para dar opinião em processos seletivos.

Entreabro meus lábios e os fecho. Não é uma batalha que se valha à pena lutar. Estou em desvantagem — e vou precisar me acostumar com isso, pelo andar da carruagem. Computo o que ela quer ouvir:

— Têm toda razão.

— Eu sei. — Stella empurra a cadeira para trás e fica de pé. — Você passou em primeiro lugar na parte teórica, e falta o principal: a prática. Os próximos dias serão cruciais para sabermos se haverá ou não um contrato para você assinar comigo e, consequentemente, com a Vogue. — Stella larga uma mão na cintura e gesticula com a outra. — Esse emprego renderá oportunidades únicas. Eventos de gala, encontros com figuras da mídia que talvez você admire, contatos e um amplo networking. Isso sem falar de um salário muito agradável, que é um dos principais pontos pelos quais está aqui.

— Não, senhora. Estar na Vogue é meu sonho... — corto sua fala antes que me dê conta. Falcone ergue sua sobrancelha para mim. Pigarreio. — Desculpe. Continue, por favor.

— Enfim, sua responsabilidade é cuidar da minha agenda, de compromissos, realizar as atividades que eu ordenar, responder e-mails que eu a encaminhar e pegar meu café. Gosto de duplo sem açúcar. — Duplo sem açúcar, anoto na cabeça com um marcador em vermelho para não me esquecer. — Caso eu sinta uma confiança, a levarei comigo para alguns dos eventos que eu participar. Você precisará saber de cor a lista de convidados e horários de entrada. O Met Gala está chegando, como deve saber. — Stella passa por mim. A mera menção do Met Gala enche meus olhos de novo com revitalização. Imaginar que estarei, de algum jeito, ajudando na produção dele caso eu consiga esse contrato me faz ficar eufórica. Os insultos de Stella são facilmente esquecidos. Ela abre a porta e desliza para uma sala no início do corredor, ao lado do elevador, que por acaso eu não notei antes. — Esse será seu espaço de trabalho. E... — Quando seu telefone toca, ela ergue um dedo para mim. Stella volta por onde viemos, sem dar sinais de que devo ir também.

Aproveito que estou sozinha para correr para a cadeira giratória e me sentar. É muito confortável. Estou rodando distraidamente quando ouço um barulho que me faz sobressair. Minha chefe acaba de despejar uma pilha de pastas na minha frente. Há pelo menos duzentos deles. Aprumo minha postura.

— Comece digitalizando esses. — É sua única instrução antes de retomar a chamada e me abandonar de vez. 


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