Capítulo 18

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Acredito que Stella esteja se acostumando a minha insistência. Ela não reclama quando eu ligo o som em uma rádio pop, mas silenciosamente muda para outra que toca rock. Um rock meio anos dois mil, como Evanescence.


— Rock? Curte rock?

— Não posso curtir rock? — Ela contrapõe sabiamente. Droga, é muito difícil quando Stella responde uma pergunta com outra pergunta. Odeio isso.

— Pode. Só não... Achei que fosse a sua praia. — Isso me lembra de um detalhe, mas mordo a língua para não receber mais uma patada.

Stella suspira e pega um caminho diferente e, diferente do ônibus, passa longe do túnel que geralmente me leva para casa. Ela está buscando um atalho, o que me decepciona brevemente. Olho para a chuva que cai. De repente eu não quero mais puxar assunto com ela. Acho que a melhor ideia é continuar o restante do trajeto em silêncio, como minha chefe quer.

— Eu fiz no fim da adolescência. — Stella murmura.

— O que?

— A tatuagem.

— Ah... A tatuagem? — Pigarreio. 

— Sim, aquela que você estava espiando no ateliê da Runaway. — Stella esclarece. Sinto meu rosto queimando de vergonha. Ela me pegou no pulo aquela hora e achei que fosse ficar tudo bem, mas é claro que não passou despercebido. Nada passa despercebido quando se trata de Stella Falcone.

— Ah, sim. Aquela tatuagem. — Por que eu soo tão pateta falando assim? Merda. Não importa. O fato é que ela acaba de confirmar ter uma tatuagem tribal bem no cóccix.

— Exato. Eu tinha dezenove anos, estava numa fase rebelde e fiz por impulso para irritar meu pai... E ele morreu seis meses depois daquilo, então não adiantou muito. — Seu polegar bate no volante na ritimagem da música. — Coisas de jovem-adulto.

Imaginar Stella em uma fase rebelde é difícil. Tento ver uma versão mais jovem com cabelo curto e sombra preta ao redor dos olhos, mas não consigo visualizar algo que seja verdadeiramente atrativo. Na minha cabeça ela não devia ser tão bonita quando novinha... O que deixa Stella tão charmosa são suas linhas de expressão e traços maduros. Droga, droga, por quê penso nisso? É ridículo. Voltando o assunto, o que ela disse sobre o pai?

— Seu pai morreu?

— Sim, achei que soubesse. Quando me tornei um pouco mais famosa a mídia divulgou notíciais sobre, mas, óbvio, não tinha nada demais para falar: acidente de caro, vítima fatal. A perícia encobriu o fato de que ele estava completamente embrigado.

Algo me diz que essa conversa vai tomar um rumo ruim.

— Seu pai era alcoólatra?

— Alcoólatra, agressor, viciado... Tem um monte de descrições que serviriam para definir aquele homem. E nenhuma é boa. O hobbie favorito dele era bater na minha mãe na minha frente e na frente da minha irmã. Eu fiz de tudo para que eles se separassem, mas minha mãe nunca me ouviu. Ela sempre disse que precisávamos dele para não ir parar na sarjeta... Uma mentira. Ela só não admitia ser totalmente co-dependente de um relacionamento abusivo... Acontece com muitas mulheres. — A forma que ela fala dá a entender que não significa muito, mas eu sei que significa e imagino que ter um pai problemático pode afetar o crescimento de alguém. Isso me faz ser grata por papai ser um anjo, ao mesmo tempo me culpo por não vê-lo com mais frequência. Suspiro. Ela nota meu semblante entristecido. — Oh, não fique com pena. Quando ele morreu foi o dia mais feliz da minha vida, por mais terrível que pareça.

Nego.

— Eu não fiquei triste porque seu pai morreu, fiquei por você ter passado por toda essa merda. — E não minto. O clima está tenso demais. Tenho de pensar nessas informações quando estiver sozinha. Arrisco uma piada; — Bom, não justifica você agir como uma megera, mas isso explica muita coisa. Na verdade, eu fico alegre por ele ter ido de comes e bebes.

Stella solta uma gargalha em bom timbre sonoro e tão gostosa que torna o ambiente mais leve dentro do automóvel. É a primeira vez que vejo ela assim, e saber que posso ter causado bom humor numa criatura tão bipolar me deixa com o ego aflorado. Minha Elena interior comemora dando soquinhos no ar. Relaxo no banco e balanço meu joelho. Conversas profundas e sorrisos nunca vistos antes... É impressão minha ou estamos tendo um grande avanço por aqui? Minha barriga queima de ansiedade. Infelizmente também estamos chegando no meu bairro agora e odeio que a viagem tenha se passado tão depressa. Quero descobrir mais dessa mulher misteriosa, entender o que existe por debaixo dessa casca grossa que faz todos a sua volta a temerem.

— É aqui. — Reclamo à muito contragosto quando avisto meu prédio.

Stella estaciona. A chuva diminuiu um pouco, mas ainda corre.

— Chegamos. — Ela conclui, sem desligar o motor.

— Obrigada pela carona, senhora Falcone. — Agradeço calmamente, aproveitando para trocar um olhar doce com ela.

Stella move a cabeça para cima e para baixo uma vez, dizendo que não há de quê. Empurro a porta, a fecho e corro para a portaria. Eu entro pela porta e subo os degraus, pensativa sobre o que acabou de acontecer. Foi tão... genuíno... Empurro a porta do meu apartamento e deixo as costas contra ela, suspirando ainda. Ah, céus.

— Ei, eu estava quase chamando um uber e indo atrás de você. — Dyanne vem da cozinha.

— Dy, você não vai acreditar no que aconteceu! — Ela vai surtar quando ouvir isso!

— O que aconteceu? — Uma terceira voz surge e um corpo másculo aparece vindo da cozinha, com um pano de prato jogado no ombro.

— Gabe? — O que Gabe faz aqui? Não marcamos de sair pro cinema só no sábado?

— O próprio. Resolvi fazer uma visita e sua amiga sugeriu da gente cozinhar uma macarronada pra quando você chegasse. — Ele me abraça. Retribuo o gesto. Meu semblante se mantém travado de tanto choque com a cena. Quando nos afastamos, ele insiste: — E o que aconteceu?

— Ah... não foi nada. Coisas do trabalho. Você não vai querer saber de moda. — Invento depressa, para tirar o foco dele da minha pessoa. Eu não me abriria sobre um momento tão particular entre eu e minha chefe com o meu ficante. Bato as palmas. — Enfim, vamos comer dessa macarronada de que tanto falou?

Gabe concorda e Dyanne levanta a sobrancelha. Diferente dele, ela sabe bem quando estou mentindo, mas vai deixar o interrogatório para mais tarde.

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