Capítulo 27

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— Vou sentir tanta saudades...

— Nós também, Lena.

— Amamos você.

Eu e meus pais nos despedimos. O tempo passou tão rápido... Nosso sábado foi perfeito. Cozinhei com minha mãe uma macarronada perfeita para o almoço, depois meu pai fez pudim e nos esbaldamos em algumas cervejas no jantar. Sei que poderia passar mais tempo com eles hoje, mas tenho uma viagem agendada em duas horas e meia e eles não vão pedir que eu fique, porque sabem o quão importante é para mim. Papai me beija na testa e mamãe pede para eu me cuide antes de embarcarem no táxi amarelo. O meu chega não muito mais tarde. Como Dyanne saiu na noite anterior para ver o atual casinho amoroso, não tenho mais de quem me despedir. O motorista me ajuda a guardar as minhas coisas e nós dois ingressamos no veículo. Encaro a janela. Stella não desmarcou nada por mensagem, então acredito que tudo esteja de pé. Posso ser descartada na frente de várias pessoas, mas é melhor do que arriscar receber uma ligação e ter que dar uma de Mulher-Maravilha.

— Para o aeroporto, por favor.

Durante o percurso eu masco minha boca repetidamente. Não faço ideia de como será nossa interação agora que nos beijamos — que eu a beijei. Não me produzi muito; calça jeans preta, botas e um casaco cor-de-rosa puxado para o pink. Maquiagem suave, gloss labial e um par de brincos discretos. Não quero que ela ache que estou tentando chamar sua atenção, porque não é minha intenção — não por enquanto e nem de um jeito sexual. Eu pago minha viagem com o cartão e levo minhas duas malas grandes para dentro da grande construção. Stella me espera próximo aos bancos — está mais adiantada do que eu, o que me deixa desconcertada. Gosto de quando chego antes dela. Pelos óculos escuros e o nariz franzido, imagino que o humor dela esteja tão adorável quanto uma bomba atômica.

— Cuide disso. — Stella aponta para o chão. Sua voz de ressaca indica que ela deve ter tomado algumas doses de whiskey para dormir melhor.

Eu trato de dar cabo da parte de bagagens e todo o restante dos trâmites ainda necessário, e não nos comunicamos nenhuma vez. Nem quando estamos sentadas lado a lado. Ela seca a garrafinha d'água comprada por mim em questão de poucos minutos e não para de teclar no celular momento algum.

— Senhora Falcone... — tomo coragem após todo aquele tempo lá. — Eu só...

— Vamos. — Stella fica de pé.

Não entendo do que ela está falando até que chamam novamente o número do nosso voo. Como uma boa assalariada, vou atrás da minha chefe quieta, de novo. Vinte minutos mais tarde estamos entrando na primeira classe de um avião muito chique. Parte da experiência faz eu me esquecer de todo o nervosismo que me habita. É a primeira vez que vou voar... E de primeira classe! Não me leve à mal, eu não me importaria de ir na econômica, mas isso aqui é um nível além de qualquer esperado. Os assentos são mais espaçosos, poltronas largas e muito confortáveis. Stella é quem se senta ao lado da janela. Eu retiro da única bolsa de mão — a que não despachei — um travesseiro para o pescoço. Ela o pega. Estou nervosa.

— Precisam de algo? — uma comissária loura e perfeita oferece.

— Água com gás. — Stella solicita.

— Um suco, se tiver.

Ela confirma por um sorriso caloroso e parte. Stella desliga seu celular. Faço o mesmo.

— Olha, senhora Falcone, o que eu estava querendo te falar mais cedo...

— Vai se desculpar pela atitude imprudente que teve na sexta-feira? Ou dirá que foi culpa da bebida ter beijado feito quem estrela uma história de romance musical para adolescentes? Esperava que borboletas aparecessem e vagalumes enfeitassem a paisagem para sua cena? — ela adivinha, sem me olhar nos olhos. O jeito com que fala deixa as coisas com um aspecto pior do que realmente são. Remexo-me, incomodada. — Poupe suas palavras, Hathaway. — Hathaway? Nada de Elena? — Sei que está arrependida e não fará outra vez. Afinal, não quer perder seu emprego dos sonhos, quer? — Pela primeira vez em horas, ela se permite virar a cabeça para mim. Meu coração em frangalhos desfalece no peito de desgosto e não posso aguentar as lentes escuras me espetando. Desvio meu olhar para minhas coxas, sem resposta pronta para me defender. Não sei o que dizer, porque se eu for sincera posso ser demitida. Stella acata meu silêncio como positivo. — Ótimo. Foi o que eu pensei.

Saio do meu lugar e desvio da aeromoça com nossas bebidas. Minha garganta está tão travada que será impossível deglutir qualquer substância, além do que meus olhos ardem como o inferno. Eu abro a porta do banheiro e me tranco nele. Minhas bochechas úmidas denotam o quão, principalmente, me sinto arrasada com tudo que aconteceu ali atrás. Não sou mais a Elena que estava explodindo por ter encontrado os pais e ganhado uma viagem internacional de brinde. As palavras dela ecoam na minha cabeça; a forma de recitá-las, cada descaso que ela fez comigo... Limpo minhas bochechas inutilmente. Tenho pouco tempo para voltar e me preparar para a turbulência, mas não quero ficar perto dela. Não me sinto preparada para isso. Cansada, me sento na privada e afundo o rosto nas mãos. Meus ombros tremem. Foi mesmo tolice minha pensar que surgiria alguma coisa de bom do meu sentimento estúpido por essa mulher odiável. 


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