Vinte minutos mais tarde eu e Stella saímos da loja. Temos muito o que discutir com Philipe e Hellen, mas precisamos descansar um pouco. Nem tudo vai ser resolvido de um dia para o outro.
— O que foi? — pergunto.
Tenho percebido Stella mais dura perto de mim. Ela soltou minha mão quando dei a decisão e não falou muito. Uma coisa que odeio nela é quando decide vestir uma armadura impenetrável por não saber lidar com algo da maneira simples.
— Não acho que deva deixar de abrir um processo contra Thommy. Ele tentou... fazer mal a você. — Resmunga ela, chateada. É fofo.
Paro no meio da calçada e me volto a ela. O fim da tarde se aproxima, mas o sol brilha forte e o movimento nas ruas se prepara para o horário de pico. E nenhum dos pedestres poderia me impedir de pôr ninhas mãos nas bochechas brancas e acariciá-las com meus polegares.
— Ei, eu não estou pensando em ajudar aquele canalha por bondade no coração. Vou fazer isso porque, por trás, isso vou estar te ajudando. É em você que estou pensando. — Nela. Só nela. Nesses últimos meses tenho pensado bastante em Falcone, em todos os minutos do meu dia, seja de forma positiva, querendo sacanagem, ou negativa, imaginando um caminhão passando por cima dela.
Amolecida com o meu gesto, a rainha de gelo raia um sorriso contagiante.
— Obrigada por cuidar de mim, Elena. — Eu decifro nas entrelinhas que não é tudo que ela quer dizer, mas me contento com uma única frase. Eu sei que ninguém nunca fez algo como o que eu estou fazendo por ela, e entendo o quão faz falta para qualquer ser humano um pouco de cuidado. Por mais poderosa, rica e madura que ela seja, sinto essa necessidade de ninar Stella com cafuné. É a primeira vez que estou cuidando de alguém romanticamente, e ainda que me assuste, eu me apego a ideia. — Está na hora de eu retribuir o favor. — Novamente, entrelaçamos nossos dedos e ela me puxa para o carro. Não luto contra. É um ótimo dia para ser mimada por uma velha gostosa.
✿ ✿ ✿
Durante a viagem eu tenho sonhos ruins onde sou perseguida por um zilhão de zumbis jornalistas pela Madison Avenue e acordo num sobressalto. Tem baba no canto da minha boca, que rapidamente limpo.
— Bem na hora. — Stella diz, então percebo que estamos numa garagem. De onde? Não faço ideia.
Repuxo meus cabelos para um coque desarrumado. Não é a casa dela, mas não deixa de ser um lugar muito chique. Nós atravessamos os carros parados e entramos num elevador. Stella aperta o botão do último andar enquanto eu tento não tombar de sono. Com todo nosso romance em Hong Kong quase não consegui descansar — minha ansiedade impossibilitou. Quando a porta se abre, entramos direto em um hall extenso. A decoração me tira o fôlego, e no instante em que adentro a sala imensa do apartamento com paredes de vidro que dão vista a boa parte do Upper East Side, meu sono evapora.
— Santa'Lupe...
— Esse é o lugar que te falei no telefone. — Stella dá um giro. Uma escada branca sobe para uma parte superior e mais cômodos estão pela direita. — Pode mudar tudo o que quiser, caso não goste dos móveis.
Minha cabeça rodopia. Esse lugar incrível é o apartamento que Stella quer me alugar por um preço camarada? Imagino Dyanne e eu morando nesse paraíso. Minhas pernas ficam bambas. Olhe só esse e tapete e o sofá que devem custar três meses do meu salário. Os tons neutros de bege e branco, as luzes LED no teto, a TV de 50 polegadas presa a um painel magnífico de carvalho e... Tenho medo de olhar o resto do lugar.
— Stella, eu... — não contenho minha animação e saltito pelo piso de porcelanato. A sala de jantar com um lustre dourado e mesa de seis cadeiras, a cozinha com eletrodomésticos novinhos em folha e uma lavandeira de tamanho excelente. — É PERFEITO! — Ponho as mãos na boca. Não gritei, né? Acho que sim. Que vergonha Stella ri com diversão da minha euforia infantil.
Sem pressa, se esgueira nas minhas costas e coloca as mãos na minha cintura.
— Você está descalça a bastante tempo, o que acha de eu te apresentar o segundo andar lá em cima e fazer uma massagem nesses belos pés dentro da banheira? Acho que deixei alguns óleos de banho da última vez que vim aqui.
Minha coluna se arrepia da nuca ao cóccix ao imaginar a nós duas sozinhas com bolhas de espumas compondo nosso arredor. Todo o cansaço de um dia exaustivo, a correria desenfreada e o estresse de martelar estratégias de imagem dão lugar a minha libido. Eu mordo meu lábio, olhando-a por cima do meu ombro. Mas meus divertidamentes me sabotam.
— Por favor, eu quero muito..., mas não preciso fazer uma coisa antes. — Se eu continuar sei que será o início de uma coisa maior que tudo que o que já tivemos, e não seria justo sem me resolver com uma pessoa. Eu suspiro. — Tudo bem se eu fizer uma ligação e subir depois?
Ela não dá chilique ou uma patada, apenas consente com a minha decisão e se vira.
— Te espero lá em cima.
Eu me movo para o hall de entrada, onde deixei minha mochila com o celular e alcanço o aparelho no fundo, protegido por uma sacola plástica. Meus dedos tremem ao digitar o número de Gabe. Sei que se eu acabar com ele por telefone vou perder o que poderia ter sido um bom relacionamento, que não vou poder correr para ele caso meu final feliz não chegue com Stella e que nunca mais vou ganhar desconto na cafeteria, mas continuar sendo injusta com ele vai corroer meu coração... E não estou nenhum pouco à fim de ganhar Dyanne na minha cola insistindo que não devo agir como um homem. Pela primeira vez, vou ser forte. Ele atende ao terceiro toque:
— Alô? Elena?
Com o amargo gosto na boca, vou em frente:
— Gabe... precisamos conversar.
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Odiável
RomanceCom a aposentadoria de Anna Wintour, a VOGUE têm uma nova editora-chefe; a mais nova sensação crítica do momento no mundo da moda: Stella Falcone. Elena Hathaway, uma ex-universitária recém-formada, consegue o cargo mais disputado contra...