Capítulo 3

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Eu corri mais em um dia do que qualquer maratonista tendo de treinar para as Olimpíadas.

Primeiro sai para pegar o almoço de Stella — que ela fez questão de pontuar seu restaurante favorito de modo que eu devesse pegar a comida exclusivamente lá — e tudo que comia ou não. Minhas anotações mentais foram digitalizadas no celular quando deixei a sala. Eu tinha quinze minutos. Depois de voltar, precisei ir na Calvin Klein e pegar um pacote do tamanho de um notebook e voltar a Vogue. Revisei compromissos que Stella enviou para o e-mail no meu computador, repassei-os a minha agenda pessoal e terminei a tarde atolada. Isso, claro, atendendo ao telefone — sem instrução alguma. Acredito ter conseguido filtrar o que era ou não importante tendo em base meus conhecimentos teóricos sobre os nomes importantes com colaboradores, parceiros e os envolvidos com a revista.

Já passa das seis quando Stella apaga as luzes de sua sala, fecha a porta e vêm ao meu rumo. Corro para pegar o casaco estendido próximo ao elevador e ir entregar a ela. Falcone fala ao telefone, sorridente como precisa ser para agradar a quem está no outro lado da linha. Ao espiar minha mesa, seu semblante se desmancha por alguns segundos como o de alguém buscando qualquer coisa fora do lugar. Minha mesa está completamente limpa e organizada. Todos os demais empregados desceram, o que nos torna as únicas nesse andar.

— Obrigada, Bobby. Nos falamos mais tarde. — Ela redige-se a mim. — Onde estão os documentos que entreguei a você na parte da manhã?

Aliso minha saia.

— Digitalizados em pastas específicas com nomes, datas e subtítulos entre parênteses para facilitar a busca. Tomei a liberdade de enviá-los para o seu macbook. — Quero sorrir ao perceber um brilho de surpresa nela, mas Stella não se deixa abalar. Ela também não me elogia, apenas segue. Desligo a CPU depressa e o monitor em seguida. Eu entro no elevador ao lado da minha chefa no momento que as portas de metal abrem. — Deveria ter duas assistentes, mas estou a poucas semanas aqui e não consegui encontrar. As meninas das outras áreas estavam fazendo seu trabalho, mas agora que está aqui, cuidará de tudo sozinha. Vou te passar uma lista de quem não deve ignorar jamais e os que podem ser colocados de escanteio pelo máximo de tempo possível, entendido?

— Sim, senhora Falcone. Entendido.

— Ótimo. Por hoje seu trabalho se encerra aqui. Recomendo que descanse. Teremos uma agenda cheia... Preciso aprontar os detalhes do coquetel que darei em minha casa esse fim de semana. Será apenas uma reuniãozinha de socialização... Não tenho certeza de que vou convidá-la, mas é bom estar por dentro de tudo que envolve minha vida e a empresa. — Imagino que ela quer dizer que sou eu quem vai atrás de decoração, buffet, DJ e todo o trabalho pesado. Não precisa ser um gênio para imaginar. Por que ela faria isso tendo uma assistente a disposição? Faço um gesto afirmativo. — Preciso que me responda, Elena.

— Entendido, senhora Falcone. — Devolvo imediatamente.

O elevador se abre no térreo. Está praticamente vazio, com exceção da equipe de limpeza, poucos trabalhadores e os seguranças. Stella verifica o relógio. Espero ela passar pela porta giratória primeiro.

— Por hoje está livre.

— Obrigada... Tenha uma ótima noite. Nos vemos amanhã?

Ela não me responde. Imagino que precisarei me acostumar com essa coisa de ficar no vácuo. Derrotada após meu primeiro dia, saio para o lado de fora do edifício e passeio na calçada em busca da parada de ônibus mais próxima. Espero alguns bons minutos até que a condução pública para na minha frente para que eu suba. Entrego as moedas em minha bolsa ao cobrador e me sento no primeiro acento vago que encontro, ao lado da janela. Está um pouco tarde, escurecendo, praticamente.

Penso em fechar os olhos por alguns instantes, mas não posso adormecer aqui dentro e passar da minha casa. Vinte minutos mais tarde, quando desço, só preciso entrar na rua a direita e subir a portaria do prédio. Passo pela entrada e, como nosso elevador está estragado, enfrento os lances de escada que me separam do apartamento 2O2.

— Elena? É você? — Dyanne, também conhecida como minha colega de apartamento, pergunta.

Nós nos conhecemos na faculdade. Ela começou a cursar moda comigo e se mudou para jornalismo no segundo semestre, mas decidimos continuar dividindo o aluguel e as contas. É uma linda mulher de olhinhos puxados, traços orientais, um cabelo liso de causar inveja em qualquer uma e personalidade curiosa. Isso, claro, sem contar as inúmeras tatuagens no braço direito e outras partes do corpo a pintando como um gibi. Somos muito sintonizadas. Geralmente queremos sair juntas nos mesmos dias ou ficar sozinhas mutuamente. Nossas vidas estão sempre conectadas; quando as coisas dão certo, dão para as duas, e quando é o contrário...

— Oi, Dy. — Empurro minha bolsa para nossa mesinha de centro e desabo contra o estofado do sofá, permitindo-me relaxar meus músculos pela primeira vez desde que saí da cama. É um presente poder fechar os olhos.

— Céus, você parece derrotada. — Ela entra na sala com uma panela cheia de macarrão com salsicha e se atira no sofá. Pego um dos garfos que ela me estende e enrolo um punhado da massa amarela de espaguete nele. — Sua chefe é tão ruim assim?

— Ela é um demônio. É como se eu fosse Andy começando o filme com um bom gosto para roupas e ela a Miranda Priestly uma década mais jovem e com cabelo vermelho.

— Pede demissão como a Anne no fim do filme, ué. — Dyanne incentiva.

Faço que não.

— Não posso.

— Por quê?

— Porque, diferente da Andy, eu já amo a moda e esse realmente é o emprego dos meus sonhos. Terei chances reais aqui, posso conhecer pessoas influentes e... Quem sabe quantas portas me abrirão se eu conseguir impressioná-la e ganhar que seja um pouco de afeto? Eu só preciso fazer meu trabalho cada vez melhor e deixá-la ciente de que estou à altura do emprego. Quero que assinem minha carteira o quanto antes. — Desde o começo estive ciente de que lidaria com pessoas desagradáveis. É o preço a ser pago por estar no mundo da moda; tão glamouroso quanto podre. Stella está sendo ruim... E a tendência é piorar muito antes de as coisas melhorem. Essa vai ser a verdadeira prova de fogo após a faculdade.

Eu mastigo um pouco do macarrão. Me pego decidindo se consigo ir tomar um banho depois de comer, mas estou tão cansada...

— Então, minha amiga, tudo que eu posso fazer por você é desejar boa sorte nessa nova jornada. — Dy murmura.

Deito a cabeça contra o ombro dela e suspiro.

— Pode apostar que eu vou precisar. 


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