Após a entrada apocalíptica de Cristo na arena da história, a história se torna o dramático campo de batalha do desejo centrado no escândalo do mistério da Cruz. A aparição de Cristo no palco do mundo inaugura um contra-desejo que se opõe às línguas violentamente emaranhadas do desejo insaciável da humanidade por poder e violência. Sim - na cruz - Deus morre. Mas essa não é a morte de uma Sexta-Feira Santa especulativa, na qual a transcendência de Deus desaparece dialeticamente no devir do Espírito dentro da história. No entanto, aqui um certo "Deus está morto", como Nietzsche famosamente diz no aforismo 125 e como Balthasar provocativamente observa, citando Ernst Bloch, "Jesus Cristo o matou". Essa é a morte de um Deus de mera abstração metafísica. É também a morte da neutralidade fingida de um homo religiosus genérico.
Com Balthasar, é preciso sustentar que, depois de Cristo, não há nenhum "deus" da teologia transcendental ao qual todos os humanos aspirem. E com Erik Peterson é preciso ver que a revelação de Cristo abole toda neutralidade religiosa e que a mensagem do cristianismo só existe, concretamente, entre lobos em pele de cordeiro. Com Przywara, deve-se igualmente sustentar que a filosofia só existe dentro da trágica recusa da Queda ou dentro da redenção graciosa da Cruz.
Cristo é a analogia entis concreta e a transcendência do Pai só pode ser alcançada por meio da mediação analógica e da modelagem de Cristo, por meio do poder do Espírito Santo. Aqui, o objeto formal da filosofia, o ser da criatura, a liberdade e o desejo, existe apenas dentro do horizonte teológico superformado da história, lido a partir da teologia do pecado original e da redenção, cujo crescendo é o amor cruciforme, contra o qual o objeto formal da filosofia é medido.
Esse estilo de metafísica é o que chamo de "metafísica analógica do desejo mimético encarnado". É a história de nossa humilde aceitação do ser da criatura, imitando a recepção de Cristo da humanidade e da criatura, ou a aceitação sedutora da dança hipnotizante das falsificações que parodiam a apoteose do desejo humano de Cristo. Essa apoteose fingida brota das profundezas subterrâneas do desejo metafísico da humanidade pelo sobrenatural, agora em forma desviada, incursionada e paródica.
Aqui, o desejo finito busca tornar-se infinito, negando o movimento infinitamente humilde e quenótico de Cristo para a finitude. A "morte de Deus" e a transvaloração de Nietzsche não são, portanto, uma invenção nietzschiana, mas a conclusão da lei interna da história da "intensificação" do desejo (Balthasar) e da "escalada aos extremos" (Girard) no drama de "Dionísio versus o Crucificado" ou "Cristo versus o anticristo". Lá nos deparamos com os mais distantes e extremos da liberdade e do desejo da criatura, nos quais um sim ou um não ao amor trino é pronunciado.
A transvaloração é a história cristã do desejo. Essa é a história da loucura do desejo. A história do desejo simbolizada em duas montanhas: A sedução de Dionísio por Penteu até sua morte feroz no Monte Cithaeron versus o solitário e idiota suor de sangue de Cristo no Monte das Oliveiras - enquanto seus apóstolos eram dominados pela sonolência da fraqueza humana, apesar do vinho eucarístico. É uma história de duas formas de embriaguez: a descida ardente do Espírito e a embriaguez pentecostal do desejo versus a ritualização da necessidade de embriaguez orgiástica do desejo (kōmos). Uma história de duas maneiras de festejar: a violência radical da humanidade, de fato, a retalhação homofágica da vítima (sparagmos) versus o festim comunitário da ressurreição do corpo rasgado e dilacerado do Cordeiro morto, porém vitorioso (a Eucaristia).
A transvaloração cristã é a história da redenção do desejo criado de sua deformidade - a distorção de seu desejo pelo sobrenatural - pela mentira de que somos capazes de conhecer e ser como Deus (Gn 3:5). A história da transvaloração cristã sabe que a mentira da autocoroação, da autapoteose, ocorre e é testada no horizonte de carne e osso dos violentos anuários do drama concreto do desejo da história. Essa história é uma competição de duas formas de loucura encarnadas em mediadores do desejo, mediadores da loucura e do desvario.
A questão é: qual loucura é escolhida, com qual loucura é superada e qual Deus é adorado? Após a "morte de Deus", há apenas a elaboração da pergunta: "Deus ou um palhaço", como diz Nietzsche? Mas dentro da concretude da transvaloração, o ou é sempre um como-Deus-como-palhaço. Sim! Mas a qual Deus-palhaço prestamos reverência? A qual palhaço-Deus conformamos nosso desejo? Ao bufonismo duplicado do "festival do asno" de Nietzsche/Zaratustra, que pressagia o Übermensch, ou a Cristo como palhaço, retratado de forma impressionante na arte de Georges Rouault? (Essa arte deve ser interpretada como uma espécie de refutação visual do retrato que Nietzsche faz de seu destino em Ecce Homo?)
A filosofia post Christum natum não é um "jogo de linguagem", mas um "jogo de imitação", seja de paródia anticristã ou de verdadeira imitatio Christi. Esse jogo não-melhor-esse drama é apocalíptico por completo. Vox clamantis in deserto. Aqui o discernimento dos espíritos é radicalmente necessário. Mais de uma voz fala dentro da paisagem desértica do pensamento desejoso da história. Mais de um espírito conduz ao deserto. Pois os espíritos no deserto são uma legião. E no deserto encontramos os próprios limites da liberdade e do desejo analógicos criados. Nesse espaço desértico, a capacidade humana de recusar ou receber o amor criativo e redentor do Deus Triúno é testada.
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Textos Cripto-Nietzscheanos
Non-FictionUma compilação de textos escritos e traduzidos por mim sobre a Filosofia de Friedrich Nietzsche