Capítulo 8

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Sophia ficou naquele centro por dias, passou pela fase inicial da detoxicação e tudo caminhava de forma bem promissora. Naquele centro tinha tratamento com psiquiatra, psicólogos, médicos especialistas, era bem completo. Com um mês limpa ela resolveu que era hora de procurar um emprego, que aquilo iria ajudá-la. 

Participou de algumas entrevistas no decorrer dos dias e todas elas com respostas negativas. Aquilo foi um gatilho tão forte que Sophia decaiu e se entregou mais uma vez às drogas, saindo do centro sem nem dar satisfação. 

Arthur foi avisado que já tinha mais de cinco dias que a esposa não aparecia por lá e foi ali que ele decidiu largar de mão. Ele não podia viver daquela forma pra sempre, precisou de bastante coragem pra decidir não ir atrás dela, aquele era o basta. 

Sophia pulou de abrigo em abrigo, passou algumas temporadas na rua e até mesmo se prostituiu por conta própria pra arranjar dinheiro. A vida não era fácil, admitir que precisava de ajuda pra sair daquela vida não era fácil, encontrar uma motivação pra seguir em frente, não era fácil. 

Passou três meses nessa incerteza, já havia completado oito desde que tinha saído de casa, mas ela não estava contando, em seu atual estágio, ela não sabia nem em que mês estavam. 

Aquele dia era por volta das onze da manhã, Sophia dormia na calçada depois de uma longa noite. Estava coberta com papelão, era inverno e fazia frio. Um moreno, alto, se aproximou da mulher e a balançou, checando se ao menos respirava, já que parecia que não. 

—Ei, bom dia! — Disse simpático e a loira se levantou assustada. — Se acalma, não quero te machucar. 

— O que quer de mim, hein? — Disse brava, se afastando dele bem rápido.

— Te trouxe essa quentinha. — Mostrou pra mulher a comida que tinha nas mãos. Uma embalagem de isopor, em cima uma maçã e um copinho de água lacrado. — É que todo mundo está na fila pra pegar, eu vi você aqui deitada e não parecia que ia acordar a tempo. 

— Se mete na sua vida! — Foi grossa, não estava mais acostumada com a gentileza das pessoas. Todo mundo olhava feio pra moradores de rua. — O que você é? Crente? Saiba que eu não acredito em Deus! 

— Garota, seja agradecida, estou te trazendo alimento, só isso. — Ficou de pé. — Se você não quer, tem quem queira! — Ia saindo de perto. 

— Ei, moço. — Chamou de volta, envergonhada. — Me desculpe. 

— Está tudo bem. — Sorriu pra ela e lhe entregou a comida. — Bom apetite. — Ela sorriu de volta, com seus dentes bem amarelados e cariados, não sabia qual havia sido a última vez que os tinha escovado. — Abriu a quentinha e começou a comer com vontade, estava com muita fome. Arroz, feijão, macarrão, um pedaço de frango e batatas. Se fosse antigamente, ela jamais teria comido arroz e feijão junto com macarrão, mas não estava em opção de escolher nada. — Vai com calma amiga, senão vai engasgar. 

— Isso está muito bom! — Disse de boca cheia e arrancou risada do rapaz á sua frente com os braços cruzados. — Não foi você que cozinhou, né? 

— Não, quem faz é minha tia. — Apontou pro bololô de gente querendo conseguir uma. — Eu e meu tio viemos distribuir, junto com alguns outros voluntários, sabemos como é dificil viver assim. 

— Sabem de verdade ou imaginam? — A loira ergueu a cabeça para encará-lo. — A realidade é bem pior do que vocês sequer podem imaginar. 

— Você é nova por esse pedaço, não é? — Ergueu uma sobrancelha. — Já viemos várias vezes e você não é um rosto conhecido e olha que eu sou ótimo fisionomista. 

— Minha vida é complicada. 

— A vida de todo mundo que usa algum tipo de entorpecente é complicada. — Ela sorriu de novo. — Está com frio? 

— Ah, não precisa se incomodar, você já salvou o meu dia com essa quentinha. Essa daqui é a primeira comida de verdade que eu boto na boca essa semana. 

— Não fala isso que me corta o coração. — Disse tocado e retirou o casaco, entregando a moça. — Queria te ajudar bem mais do que isso, vou pegar um folheto do nosso grupo pra você. — Saiu correndo até a fiorino e Sophia ficou olhando como uma boba. 

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— Estava onde?  — Fernando, o tio de Micael perguntou ao vê-lo chegar perto. — Sumiu. 

— Fui até ali na frente, tinha uma moça dormindo, ia acabar ficando sem. — Apontou na direção de Sophia e o tio encarou a menina, que olhava pra eles interessada. — Vim buscar um folheto pra dar a ela.  

— Aqui está. — O velho homem disse ao esticar o papel ao sobrinho. — Dê o seu melhor pra convencê-la. 

— Eu sempre dou, tio. — Sorriu pra ele e então caminhou de volta pra perto da mulher que vestia sua jaqueta. — Como é mesmo seu nome? 

— Sophia. — Contou envergonhada. — Seu tio achou ruim eu estar com a sua jaqueta? Eu posso devolver, viu, eu moro na rua, mas não fico com nada de ninguém. 

— Sinceramente, eu acho que ele nem prestou atenção. — Esticou o folheto do grupo. — Narcóticos Anônimos, já ouviu falar? 

— Eu não preciso de reabilitação.  — Insistiu. — Paro quando quiser, tenho força de vontade pra isso. 

— É o que a maioria acha, mas infelizmente não é tão fácil. Nosso grupo conta com ex-usuarios, conversamos e nos apoiamos a não cometer mais deslizes. Já ouviu falar nos doze passos?

— Isso não e do A.A.? — Perguntou confusa, novamente com a boca cheia. 

— A.A e N.A são bem parecidos. — Deu de ombros. — Ajuda bastante conhecer alguém que também está se recuperando. Enfim, aqui está nosso folheto, se tiver interesse, nosso grupo opera perto daqui. 

— Obrigada, você é bem simpático. — Ele sorriu á ela. — Quem sabe eu não apareço por lá. 

— Vai gostar, certeza. — Ela sorriu de volta. E então ouviram um homem gritndo. 

Vamos, Micael. Já acabamos por aqui. — Ele saiu correndo de volta ao carro. Sophia ficou pensativa enquanto comia sua comida: e se tentasse se livrar disso mais uma vez? 

Doze Passos - Meu Anjo Da GuardaOnde histórias criam vida. Descubra agora