Capítulo Vinte e Oito

8.5K 740 863
                                    

Domingo – 00:36

  Sou uma traidora. Prometi para Camila que não faria isso, mas não consegui evitar, e mesmo que sinta no peito o quanto ela está certa, continuo descendo a tela do celular, e lendo.

   "Ela nem é tão bonita, Camila deve estar fazendo caridade, não é possível."

   "Não tem cara de quem beija ômega, quando via na escola não imaginava que ela teria essa tara. Acho que Camila não foi a primeira, e vocês?"

   "Maior cara de soca-fofo kkkkk tem que ser por pena ou então a Camilinha era uma virjona pra preferir isso do que um alfa de verdade. Enfim, falta de quem comesse ela direito."

   "Ah vai, ela é até bonitinha, eu pegava tranquilamente. Só que só isso, não vale o risco de assumir, é uma beta, meu Deus kkkk, Camilinha foi muito humilde escolhendo."

  Respirei fundo, soltando o celular com força, apagando os comentários cruéis das minhas fotos. Falavam como se não fosse uma pessoa. Como se fosse um bichinho de zoológico para observar. Eles não são importantes, eles não são importantes, tentei me convencer. Não queria chorar, não aguento mais chorar tanto, mas não consigo impedir, e isso me fez pensar que talvez não estejam errados. Pare com isso.

  Quando vimos a foto que Verônica e, aparentemente, toda a escola tinha em seus celulares, ficamos minutos sem saber o que dizer. Camila se sentiu triste e com raiva pela invasão, e eu estava muito em estado de choque para sentir qualquer outra coisa. Quando finalmente falamos alguma coisa, ou, no caso, ela falou, Camila pediu meu celular, o qual entreguei sem hesitar, e entrou no meu Instagram, privando a conta para evitar mais seguidores indesejados. Me perguntou se havia alguma outra rede social que usasse publicamente além de contas de fã e eu neguei. 

  Comemos em silêncio a última marmita, sem saber como conversar, cada uma pensando em como resolveremos o problema, e, graças a ele, o assunto da mordida voltou a ser uma barreira entre nós, uma que agora não tínhamos como voltar a tentar derrubar. Não quando nossos celulares não paravam de tocar com novas mensagens. Quando Alejandro e Sinu chegaram, e nos levaram em carros separados, olhei para o vidro para que o pai dela não me visse chorar, lembrando de como, durante o jantar, Camila não olhava para mim. De como não escutei seu ronronar, de não ouvir suas piadas ou histórias infinitas, de como ela não flertou comigo. Parecíamos duas estranhas e isso não parava de repetir na minha cabeça.

  Era pior do que ter toda a escola contra nós. Não pareceria tão assustador e solitário se eu soubesse que Camila está comigo. 

  Não fui para casa quando chegamos. Sinu e Alejandro disseram que Dinah contou sobre as fotos, e, enquanto Sofi, Seth e Rebecca estavam distraídos com algum desenho, eles nos reuniram no sofá junto com a alfa para falar sobre isso. Dona Sinu já havia ligado para a diretora Lovato, e a diretora estava fazendo o possível para identificar quem havia iniciado as postagens, e disse que iria reunir a escola segunda-feira sobre isso, mas que precisava que fossemos fortes. Alejandro também pediu para que eu desse a ele o número dos meus pais, já que a diretora Demi só poderia buscá-los segunda. Foi aí que a gravidade da situação me atingiu e eu neguei desesperadamente.

— Não, por favor.  – pedi, o nervosismo me fazendo jogar o cabelo para o lado.  — Eles não precisam se preocupar com isso de novo. Vai, ah, vai passar, eu, eu posso faltar essa semana inteira e, ou, sabe, entregar as atividades remotamente…  – a ideia seria boa, se estivesse sozinha. Mas não era só sobre mim. Era sobre Camila também, e eu seria pisoteada por todos eles antes de abandoná-la.  — Posso lidar com isso sozinha. Não precisamos incomodar. Se.. se ficar pior.. 

Drapetomanía Onde histórias criam vida. Descubra agora