O Passado Censurado

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"Consegui esses documentos por meio de um contato que tenho no Ministério; trabalhei lá há muitos anos," explicou Amos, notando a hesitação de Harry em responder à sua pergunta anterior. "Examinei seu arquivo e fiquei surpreso por não encontrar informações cruciais, como, por exemplo, o nome dos seus pais. Como você mesmo pode verificar, essas informações estão censuradas e sua certidão de nascimento foi classificada como documento confidencial."

Harry revisitou os documentos em suas mãos, atônito tanto pela afirmação de Amos quanto pelas provas diante de seus olhos. Com um semblante confuso, ele admitiu:

"Não posso fornecer uma resposta clara sobre isso. Não sei quem são meus pais biológicos. Morreram quando eu tinha apenas dois anos. Fui criado pelos Dursleys até os 11 anos; Petúnia, minha tia, era a irmã da minha mãe. Fui informado de muito pouco sobre meus pais durante o tempo que vivi com eles." Harry suspirou, pausando para coletar seus pensamentos.

"Sei que o nome da minha mãe é Lilian, mas desconheço seu nome de solteira e também não sei se ela chegou a se casar com meu pai — cujo nome, aliás, também não sei. Petúnia nunca compartilhou detalhes do seu passado, muito menos sobre meus avós." Harry falou com um ritmo meditativo, ciente do quão incompleta sua história poderia parecer para outra pessoa.

Ele havia passado anos lamentando a perda dos seus pais, mas as lágrimas secaram quando percebeu que ninguém iria consolá-lo, que sua solidão e sentimentos eram irrelevantes para os outros. Para sobreviver, ele decidiu abandonar seu passado, concentrando-se em como forjar um futuro melhor para si mesmo.

"Não entendo por que os nomes deles estão censurados. Você acha que podem ser terroristas? Imigrantes ilegais? Protegidos pelo programa de proteção a testemunhas? Ou até mesmo membros da máfia?" Harry ponderou, sua voz tingida de receio. Talvez isso explicasse o desprezo e a raiva que os Dursleys nutriam por Lilian e seu parceiro — sentimentos que transferiam para Harry. Petúnia e seu marido sempre deixaram claro que os pais de Harry eram pessoas indignas, mas nunca se aprofundaram nas razões para tal classificação. Harry nem sequer sabia se seus pais eram betas, alfas ou ômegas.

"Bem, isso é algo que eu não posso confirmar neste momento," disse Amos, cauteloso. "Talvez eu possa investigar mais com a ajuda de outro contato que tenho. Mas, por enquanto, gostaria que me contasse mais sobre esses Dursleys. Segundo os documentos, eles perderam sua guarda. Um ômega sempre precisa de um guardião legal, já que, no sistema ABO, sua classe é considerada... incapaz de ter autonomia. Isso te levou a ser registrado na lista de ômegas vulneráveis do governo, por um tempo. Daí a ficha."

"Na verdade, logo fui, digamos, adotado pelos Weasleys. Arthur Weasley é meu guardião legal," Harry respondeu, omitindo um detalhe: Arthur nunca impôs limitações a ele, como faria um guardião típico.

"Bom saber. Você deve estar ciente de que, para se inscrever na Corrida, seu guardião legal precisa fornecer uma carta de consentimento," informou Amos. A informação fez Harry morder o lábio inferior, tentando controlar suas emoções. Ele tinha se esquecido desse detalhe incômodo. Nos anos que se seguiram à sua saída da casa dos Weasleys, quando buscou construir sua própria independência, precisou de Arthur Weasley apenas uma vez: para assinar um documento que lhe permitiu trabalhar no restaurante Dragão de Jade. Além disso, Harry sempre se virara muito bem. Arthur sempre o apoiara incondicionalmente, mas conseguir essa carta de consentimento talvez fosse mais complicado, dadas as circunstâncias difíceis em que Gina se encontrava. Ele não aceitaria que Harry também se colocasse em uma situação perigosa, como a Corrida, ainda com uma forma de salvar Gina. Ele provavelmente veria como seus dois filhos ômegas estariam se envolvendo em situações a qual ele não poderia protegê-los. Assim sendo, Harry não tinha dúvidas de que Arthur mostraria alguma resistência.

"Eu darei um jeito," Harry se ouviu dizendo, a despeito das incertezas que o assolavam.

"Quanto à sua família anterior, notei que o motivo pelo qual você foi retirado da guarda deles também é classificado como sigiloso," comentou Amos, franzindo o cenho. Ele não esperava que aquele ômega tivesse tantos segredos. Estava apenas tentando entender com quem iria trabalhar; imaginava um histórico típico de um ômega menos afortunado, não um labirinto de informações confusas.

"Ah, isso eu posso explicar. E entendo até o porquê de terem optado por manter essa informação sigilosa. Afinal, toda informação que possa incriminar um alfa influente normalmente é ocultada, certo?" Harry disse, desviando seu olhar para o fogo da lareira e soltando um suspiro profundo. Ele notou o olhar inquisitivo de Amos e percebeu que o homem estava ansioso por mais detalhes. Isso fez com que Harry se sentisse compelido a continuar, mesmo relutante em reviver tais memórias.

"Eu tinha completado 11 anos quando os Dursley me revelaram que, como meus guardiões legais, decidiram me colocar em um leilão. Você sabe, aqueles leilões a qual os alfas e até mesmo betas participam, dando o melhor lance para conseguir o melhor produto, que nesse caso era a minha virgindade".

"Espere... Mas você disse que tinha 11 anos? Isso não está certo. A idade legal para participar desses eventos é de 18 anos," Amos interrompeu, horrorizado.

"Acredito que eles realmente não se importem. E quando digo 'eles', refiro-me aos meus tios e aos organizadores do leilão. Parece que estão dispostos a fechar os olhos para essas 'pequenas' ilegalidades," Harry deu de ombros, um gosto amargo tomando conta de sua boca. "Enfim, só fiquei sabendo disso por meio deles. Na verdade, quando me contaram, o leilão já havia acontecido e um alfa já havia vencido..."

Harry fez uma pequena pausa antes de continuar:
"Eles disseram que, se o alfa ficasse satisfeito com a compra, talvez eu encontrasse um novo lar e uma nova família com ele. Talvez até recebesse a mordida... No fim das contas, queriam se livrar de mim e ainda lucrar com isso," revelou Harry, a raiva palpável em sua voz.

"Quando me tiraram do meu 'quarto', que era, de fato, um armário debaixo da escada, o alfa vencedor do leilão já estava a caminho. Não tive muito tempo para pensar em um plano. Mas sou grato que tanto os Dursleys quanto o alfa desejassem manter uma ilusão de civilidade e burocracia, já que havia um contrato a ser assinado," Harry quase podia reviver a cena. Ele, um garoto magricela, vestindo as roupas largas do primo obeso, aguardando na sala de estar meticulosamente arrumada. O contrato estava sobre a mesa, detalhando mentiras que tornariam legal o que era claramente ilegal.

"Teria que assinar o contrato como parte do ritual estúpido. Meus tios acreditavam que eu não resistiria, que seria um ômega obediente. O alfa, sorridente, me entregou sua caneta cravejada de brilhantes, já que ele mesmo havia assinado sua parte. Peguei a caneta e..."

Harry fez uma pausa antes de prosseguir. Amos engoliu em seco, ponderando o pior. Talvez não fosse adequado para Harry participar da corrida, dadas suas condições emocionais e o peso de seu passado traumático. Amos estava prestes a expressar sua decisão quando Harry, com um olhar determinado e estranhamente satisfeito, continuou seu relato:

"Eu enfiei a caneta na virilha do alfa. Devo agradecer também que a caneta era de metal e bem afiada, pois ela serviu perfeitamente ao seu propósito. Aproveitei o momento de confusão, enquanto o alfa gritava de dor, para pegar o contrato e fugir. Saí pela porta da frente, gritando para que todos ouvissem. Levei o contrato comigo e corri sem olhar para trás. Não sei por quanto tempo, mas eventualmente encontrei uma delegacia e entreguei o contrato a eles. Mesmo manchado de sangue, ainda era possível identificar os nomes dos envolvidos e comprovar toda a ilegalidade da situação."

Amos estava visivelmente surpreso com aquele desfecho inesperado. Harry, um jovem ômega claramente abusado por seus tios e em uma situação completamente desfavorável, havia conseguido lutar e escapar. Essas eram qualidades indubitavelmente admiráveis em um potencial vencedor da corrida.

"Ao final, foram os Dursleys que levaram toda a culpa," disse Harry, insatisfeito. "Mas tenho certeza de que aquele alfa nunca mais conseguirá ter outro ômega. Não com seu 'instrumento' agora avariado, se é que me entende," o ômega comentou, fazendo Amos sentir um leve calafrio. Ômegas eram tradicionalmente vistos como gentis, e a vingança não costuma fazer parte do seu vocabulário. Mas Harry Potter parecia ser uma exceção à regra.

"Bem... parece que terei que reformular o plano de treinamento que havia preparado," Amos constatou em voz alta, fazendo Harry encará-lo surpreso. Pelo visto, Amos de fato o treinaria, apesar de tudo.


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