Recuperação ou talvez não

155 36 8
                                    

"Isso pode doer um pouco..." anunciou a enfermeira, pressionando um pano embebido em um líquido ardente contra a pele de Harry. Ele sentiu a queimadura familiar que o contato com o álcool trazia, mas não emitiu som algum. Sua mente ainda estava presa nos horrores que tinham acabado de enfrentar na segunda fase da corrida. O inferno que sobreviveram não saía de sua cabeça, e a adrenalina continuava pulsando em suas veias como um veneno que o impedia de relaxar completamente. O ambiente ao seu redor, apesar de ser confortável e seguro, não conseguia dissipar a sensação de que algo estava à espreita nas sombras, esperando para atacá-los.

A sala em que estavam era ampla, iluminada por luzes artificiais que se espalhavam em um brilho amarelado. Harry e os outros estavam deitados em camas confortáveis, cercados por enfermeiros e médicos betas que trabalhavam diligentemente para tratar seus ferimentos. Ao contrário das precárias instalações da primeira fase, frias e escuras, aqui havia um estranho ar de tranquilidade. Mas Harry sabia que era ilusório.

"Muito diferente da primeira fase," murmurou Harry, mais para si mesmo do que para os outros. Ele se lembrava bem da fila interminável de ômegas que aguardavam tratamento, o frio cortante e a sensação opressiva de desamparo.

"É assim na segunda fase," comentou Fleur, que agora tinha os longos cabelos loiros soltos, conferindo-lhe uma aparência mais jovem e despreocupada do que ele se lembrava. "Já passei por isso antes, em três competições francesas. Sempre recebemos esse tipo de tratamento... Querem que aceitemos o prêmio da segunda fase e desistamos antes de tentar a terceira."

"Sério? Todo esse paparico é para nos desencorajar?" Neville, que estava tendo os braços enfaixados por um enfermeiro silencioso, ergueu as sobrancelhas em incredulidade.

"Claro que sim. Não é do interesse deles que avancemos," disse Fleur, sua voz carregada de uma sabedoria amarga. "Ômegas que tentam a terceira fase são raros. A propaganda da corrida é sempre sobre conquistar alfas ou ganhar o prêmio em dinheiro. A terceira fase é para os loucos, os que acreditam que podem vencer algo destinado a não ser vencido."

Harry assentiu lentamente, sua mente vagando para Cedric, um dos poucos ômegas que ousaram tentar vencer. E ele conseguiu. Mas sua vitória foi apagada, esquecida, como se nunca tivesse acontecido. Assim como tantos outros antes dele.

"O que vamos fazer?" perguntou Fleur, enquanto jogava um cabelo para trás da orelha, seus olhos azuis observando Harry de soslaio. "Digo vamos porque, pelo que entendi, somos uma equipe agora, certo?"

"Eu..." Luna começou, sua voz era um fio trêmulo enquanto estava deitada na cama de hospital. O soro fluía lentamente em suas veias, enquanto suas mãos nervosas agarravam o lençol como se fossem a última âncora que a mantinha ali. "Eu não sei se quero continuar na Corrida... Meu objetivo era conseguir o dinheiro para o meu pai e... bem... não sei se consigo." Ela evitava os olhares, fitando fixamente suas mãos, que agora estavam fechadas em punho sobre as cobertas, as juntas dos dedos brancas de tanto apertar. "Desculpe, Harry..." sua voz caiu em um sussurro quase inaudível.

Harry, por sua vez, soltou um longo suspiro, aquele tipo de suspiro que carregava o peso de muito mais do que apenas cansaço físico. Ele empurrou os cobertores de lado e se forçou a levantar da cama, apesar dos protestos fervorosos da enfermeira que cuidava de seus muitos ferimentos. Cada passo era uma pequena batalha travada contra o próprio corpo, mas ele ignorou a dor que queimava como brasas vivas. Com cuidado, caminhou até a cama de Luna e sentou-se ao lado dela, sentindo o colchão afundar sob o peso de ambos.

"Luna," Harry começou, sua voz baixa, mas firme, enquanto colocava uma mão sobre as mãos trêmulas da garota. "Eu nunca pediria para vocês me acompanharem até o fim... Esta missão é minha, não de vocês." Suas palavras soavam como um juramento, firmes e implacáveis, mas com a ternura de um amigo que não queria ver mais ninguém sofrendo por causa dele. "Eu não vou ficar chateado se vocês pegarem o prêmio da segunda fase e desistirem da Corrida. Vocês merecem isso."

A corridaOnde histórias criam vida. Descubra agora