Podemos vencer a corrida?

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O escritório de Chang era surpreendentemente modesto, sobretudo quando comparado à extensa cozinha do restaurante onde Harry costumava passar a maior parte do seu tempo. A sala estava praticamente engolida por estantes de madeira escura, repletas de livros empoeirados e pastas de documentos cuidadosamente organizados. No entanto, o que realmente capturou a atenção de Harry foi um altar meticulosamente montado em um canto da sala. Vestido nas cores vermelho, amarelo e dourado, o altar exibia uma série de oferendas: incensos perfumados, flores vibrantes, frutas frescas, chá e velas. As velas, em particular, estavam dispostas em um candelabro elaborado com espaço para sete velas principais e duas complementares. Harry já sabia que Chang era taoísta, mas não tinha ideia da profundidade de sua devoção — pelo menos, não tinha percebido isso durante sua entrevista de emprego.

Talvez isso se devesse ao fato de que, quando esteve ali aos 16 anos, Harry estava mais focado em garantir um emprego para sua própria sobrevivência do que em absorver os detalhes sutis do ambiente ao seu redor. Na época, ele havia recém-terminado o período de educação básica obrigatória para ômegas e decidido contra a continuação no ensino complementar, que adicionaria mais três anos de preparação para "a mordida", paternidade/maternidade e tarefas domésticas — aulas que incluíam culinária, economia doméstica, corte e costura, e cuidados com bebês. Harry não tinha nenhum interesse em se preparar para um Alfa. Em um movimento raro para um ômega, ele optou por buscar independência financeira.

Harry também notou uma série de molduras contendo fotos de familiares dispostas em uma pequena prateleira atrás da escrivaninha. Isso o pegou de surpresa; em todos esses anos trabalhando para Chang, nunca ouvira seu chefe mencionar qualquer membro da família, nem vira alguém vir visitá-lo ou ligar para ele. Chang sempre parecera inteiramente absorvido em seu trabalho. Mas isso fez Harry refletir: ele realmente não sabia nada sobre a vida pessoal de seu chefe, sobre o que Chang fazia quando as luzes do restaurante se apagavam. Certamente, sua existência não poderia se resumir apenas a preparar comida chinesa.

Chang, um homem corpulento de presença marcante, espremeu-se cuidadosamente ao lado da escrivaninha antes de se acomodar em sua poltrona. Seus olhos escuros e ligeiramente melancólicos fixaram-se em Harry.

"Você vai me demitir?" Harry foi direto ao ponto, a voz ligeiramente trêmula ao formular a pergunta. Apesar de todas as frustrações associadas àquele emprego—anos sem promoções, um chefe que mal se lembrava de seu nome, e a ausência de perspectivas de crescimento profissional—ele não podia negar que aquele lugar representava seu primeiro emprego e o entristeceria profundamente perdê-lo.

"E por que eu faria isso, ômega?" Chang rebateu, o cenho franzido em confusão momentânea. Logo após, soltou um longo suspiro e levou a mão à testa, deslizando-a pelos fios de cabelo já esbranquiçados pelo tempo.

A próxima ação de Chang foi pegar uma das molduras atrás de sua escrivaninha e colocá-la cuidadosamente sobre a mesa. Harry observou atentamente a foto: um Chang visivelmente mais jovem estava ao lado de uma mulher de feições delicadas e de estatura bem menor que a dele. A mulher tinha uma expressão suave e olhos que irradiavam ternura. Entre os dois, uma menininha exibia um sorriso largo e formava um "V" de vitória com ambas as mãos.

"Essa foto foi tirada quando ainda morávamos na China," Chang começou a explicar, quebrando o silêncio. "Meses depois dessa foto ser tirada, descobrimos que minha esposa Ming tinha leucemia, e... ela faleceu."

Harry engoliu em seco, sem saber como responder a tal revelação. Por que Chang estava compartilhando algo tão pessoal agora? Durante todos aqueles anos, ele nunca falou de sua vida pessoal, não só para Harry, mas também para ninguém. Sua postura costumava ser de resmungar e dar ordens, e só.

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