Prólogo

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  Em época de escola, é sempre bom fazer certas bagunças. Eu, Carlo, já fiz várias esses dias, mas nunca, nunca, nunca mesmo cheguei a atrapalhar nada além de outras turmas. Já roubei lanches da cantina, já bati em vários otários que me xingavam e me machucavam, além disso, já furtei dinheiro da melhor professora de Matemática que já tive.

  Mas... há algo que eu não posso fazer sozinho, a vontade de ferrar com todos cômodos da escola é enorme. E por que eu faço tudo isso? Deve ser por que sou criança, quem sabe. Bom, dizem que eu sou criança, eu entendo, se for pela minha idade, eles estão errados.

  Soren, ah, ele é um cara muito legal, bem sério às vezes. Eu devia começar a falar com ele para me ajudar nessa 'desgraça futura' que quero fazer. Ele é mais velho do que eu, acho, mas ele também anda fazendo merdas por aí. Somos quase 'irmãos': Cabelo liso curto, 1,70m de altura, pele parda, mesma série do ensino médio, odiamos a escola XXXXX, temos 1 irmã cada, gostamos de video games, ouvimos o mesmo estilo de música, e somos héteros. Cara, várias coisas... Inclusive, diferentemente pela idade, essas coisas em comum casam tão bem que é até estranho. Enfim, sempre gosto de ficar desligado durante as aulas, me dá um saco estudar. Já Soren, se ele desviar o olhar do quadro por alguns segundos, ele já fica ansioso. Isso é um problema recorrente dele, sabia faz muito tempo sobre isso. Ele anota tudo e entende tudo, esse é um ponto completamente visível que distinguem entre ele e eu.

  No final da aula, lembrando da ideia genial que eu tive, cheguei até ele:

— Soren, tá disponível aí?

— O que quer dessa vez?

— Eu sei muito bem que deve estar querendo 'arrombar' umas pessoas aí...

— Quero mais que se foda isso... Pera, o quê?

— É... quer me ajudar na biblioteca? Eu sei como podemos acabar com aquela mulher da recepção...

— Cara, a gente ferra os caras da nossa turma, agora quer atacar os funcionários?!

— Isso, se eles fazem parte da escola, então são meus alvos também. Quero começar na biblioteca, pois além de ser o lugar mais longe da escola, é o que menos vou.

— Não é melhor deixar por último...?

— Foi mal, mas não quero saber. Olha, eu aproveitei e trouxe um "desinfetante" para jogar lá na mesa dela. Logo hoje, justamente, que soube que a coordenadora vai lá para conversar com ela mais tarde.

— Desinfetante?

— Mijo, sua mula.

— Não tem como entender você, meu amigo...

— Enfim, vai me ajudar ou não?

  Acabei planejando tudo desde ontem, e agora é a hora. Está em um bom momento para ir à biblioteca e dar umas risadas. Soren sempre me questionou o porquê das minhas ações, mas ele parece nunca ligar do que eu faço. Provavelmente porque não é ele que vai se foder todo se for pego pela coordenadora. Mudando de assunto, o plano está pronto. Expliquei que ele vai dar uma enganada na recepcionista e vou jogar o mijo lá na mesa e em tudo em volta. Perfeito, é hora de começar essa ideia de merda, se eu me atrasasse mais, era plano falho. Guardei o frasco na bolsa para evitar suspeitas, porém eu esperava que nós dois estaríamos sozinho com a recepcionista. Tinha alguém lá...

  Quando chegamos, eu me congelei, pois não esperava alguém na biblioteca. Só que acabei demorando demais, demais mesmo. Ia dar errado do mesmo jeito. O desgraçado do Soren chegou minutos depois de eu ter entrado na biblioteca, aí não ajuda. E outra, a coordenadora já estava falando com a mulher da biblioteca antes de eu chegar, ou seja, desperdicei um frasco de desifentante e minha urina à toa. Vendo eu cabisbaixo, notei que a única pessoa além de todo mundo estava me olhando.

  Era uma menina segurando um livro. Cabelos castanhos. Era uma aluna da nossa escola, mas nunca a vi na minha vida.

  Soren, com uma cara dormecida, chegou já adiantando que deu errado e já ia voltar para a saída da escola. Acabei ouvindo isso e segurei o seu braço. Sussurei imediatamente:

  "Quem raios é essa menina...?"

  Como suspeitei, Soren também não sabia, ele ficou surpreso tanto quanto eu ao perceber ela sentada na nossa frente. Era uma garota, eu diria, completamente desidealizada, ou seja, nunca imaginei que existiria uma ser humana como ela. Não estou exagerando, é alguém que eu nunca conseguiria imaginar.

  Nunca fui conversador com as garotas, e não era agora que eu seria. Acabei desistindo e fui com Soren para casa e desisti de complicar a vida da recepcionista. Não sei por qual motivo senti essa mudança de vontade sobre isso.

— Soren... Acho melhor deixarmos para depois tudo. — Perguntei consentido.

— Tudo o quê?

— Esquece... acredito que isso não foi uma boa ideia.

— Aquela menina lá também não acharia uma boa ideia. Será que ela vai estar lá de novo amanhã?

— Espere. — Parei bruscamente. — Como que estamos pensando tanto em alguém que a gente viu apenas uma vez e nunca sequer falou algo?

— Ué, a gente não faz isso quando tem alguém imobilizado, com doenças raras, obeso, necessitado, sei lá?

— Mas a gente faz isso por pena, e também para gente agradecer o que temos e aceitar que não estamos nas mesmas condições que essas pessoas. Mas com ela é diferente...

— Só perguntei isso pois você estava todo assustado ao ver ela. Fazemos isso além por pena, por medo, por amor, por remorso, enfim, deve ter vários motivos, quem sabe...

  Não sei o que foi essa conversa rápida nossa, mas me deixou com uma leve dor de cabeça. Espero não vê-la mais uma vez, pois vou acabar descobrindo certos sentimentos que já sei que não quero mais sentir.

  Vou voltar a ser eu mesmo de novo depois disso, sendo o que eu sou.

A Linguagem de LiandraOnde histórias criam vida. Descubra agora