Capítulo 4: Alma

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  Agora pouco, cheguei atrasado em casa. Ao perceber um silêncio previsível, já sabia que meus pais tinham saído. A nossa sala estava um breu. Acendi a luz e fui até o quarto. Hera estava dormindo sentada em frente à cama, com um cinzeiro do lado e copos usados e maços de cigarro do outro. Era de se esperar...

— Soren... Demorou hoje, são quase 18h, sabia? — Estando sonolenta, nem conseguiria disfarçar o que estava fazendo. O cheiro de cigarro era forte.

— Mãe e pai foram para onde? — Perguntei.

— Saíram para fazer as brincadeiras deles.

— E ficou fumando esse tempo todo?

— É o melhor que eu faço. Aliás, tem macarronada na geladeira. Mãe mandou avisar. — Disse ela usufruindo um novo cigarro.

— Tsc! Desse jeito nunca vai arranjar trabalho! — Exclamei bem irritado. Faz uns 3 anos que ela está desse estilo de vida, e meus pais não fazem nada a respeito. Será que não sabem que isso é a pior vida que alguém possa ter?!

— Soren, pode deixar que quem vai ainda lhe sustentar serei eu, até quando eu for sair de casa. — Disse-a se levantando e indo em minha direção.

— E vai sair de casa...?

— Um dia iremos, não vamos ficar aqui para sempre. Em algum momento, você irá entender.

— Entender o quê?

— Exatamente. — Concluiu Hera com uma cara levemente enrugada, o suficiente para não ter chances de esboçar um sorriso sarcástico.

  Eu tenho pena de Hera, minha irmã mais velha. Desde que desistiu da faculdade, está sempre saindo às festas e shoppings com os amigos, e quando não vai, fica se decompondo no quarto ouvindo música, fumando e bebendo, inclusive mal come. Nunca vou entender esse tipo de vida como algo bom e despreocupante, isso não é vida. Meus pais já avisaram várias vezes, mas Hera não quer escutá-los, até porque encheram tanto o saco dela o suficiente para desrespeitá-los. Eu não posso fazer nada também, não tenho autonomia e responsabilidade para isso, mas ela já me serve de exemplo de como é uma vida que nunca quero ter.

  Aproveitei para jantar aquela macarronada e depois conversar com Liandra pelo celular. Eu acho que tenho uma leve queda por ela, mas não tenho certeza. Acho ela bonita e interessante, mas não a conheço muito para poder 'chegar' de uma vez.

— Soren... — Falou Hera em um tom extremamente sonolento. Um tom que, quando ouvimos, já sabemos que será um favor.

— O que é? — Falei olhando em direção a ela. Hera estava bem arrumada do que antes. Mesmo estando bem vestida, a higiene dela não poderia dizer o mesmo, o cheiro de cigarro ainda era forte.

— Terei que sair, e mãe falou que eles voltarão só amanhã.

— Eles sabem que você vai sair?

— Eu avisei a eles. Não esquece de trancar tudo.

  — Tá bom.

  Mentira. Era bom demais para ser verdade... Ela foi embora, me deixando só. Depois, retornei à Liandra. Conversamos e conversamos sobre o final de semana e afins, mas um detalhe em seguida me chamou a atenção:

"Soube que a sua turma foi convocada para apresentar uma peça, é verdade?"

"É, aquelas peças de fim de ano."

"Já disseram sobre o que tratará?"

"Não lembro, acho que será original. Eu espero que não."

"Os 3ºs ficaram isentos sobre o festival."

A Linguagem de LiandraOnde histórias criam vida. Descubra agora