Capítulo 18: Autoabandono

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[CONTÉM GATILHOS]

  Elas chegam na pracinha, onde Liandra estava antes com Emily. Por ironia do destino, acabam também sentando no mesmo banco. Serene pede para Liandra contar o que ela está sentindo. Ela inspira e expira bem lentamente sua respiração, com os olhos fechados. Aproveita para limpar mais uma vez o rosto e começa a dizer aos poucos seus sentimentos.

L: Como insistiu, eu irei contar. Acho que eu iria falar do mesmo jeito. Enfim, estive com um sentimento de vazio muito grande. Quando vi que faria parte da peça do 2º ano, acabei não odiando totalmente, mas queria ainda estar com a nossa turma. Porém, quando começaram a falar em ensaiar, me senti um pouco pressionada, mas é algo que todo mundo sente, ainda mais nessa reta final de ano. Percebi que não há motivos para eu estar onde eu estava, então pedi à professora para ir ao banheiro. Mas antes, eu realmente fui para a biblioteca, para tentar me acalmar, pois eu sabia que algo estava errado, mas nessa hora estava tudo ocupado. Não sei por quê. Então, fui ao banheiro do mesmo jeito.

Se: E foi nessa hora que você "desabou"?

L: Foi, e nisso veio uma cachoeira de sentimentos diversos. Fiquei pensando que, desde uns dias atrás, nada faz sentido, e não tem por que fazer. A gente só busca sentido às coisas para nos fazer bem, mas é uma pura ilusão. No final, somos obrigados a fazer coisas que não nos cabem a fazer. Isso me parece um pouco errado.

Se: Eu acho que o mais importante é a experiência dessas coisas.

L: Sim, mas o que vai valer se não será necessário para sua vida? Por exemplo, essa peça, vou levar nunca para minha vida, no máximo para minhas lembranças. Até isso equivale a muitas coisas que aconteceram na minha vida até agora. Isso me faz lembrar que estou buscando um propósito o tempo todo.

Se: Eu conversei com você algo parecido, não foi?!

L: Verdade, na conversa lá na biblioteca. Aliás, você me disse que não tenho amor próprio, e aceito que é verdade. Não consigo amar absolutamente nada de verdade, então esse sentimento não cabe mais à mim. Ironicamente, é como se algo percorresse em meu corpo e começasse a deixar tudo que eu sinto obscuro.

Se: Ou seja, se torna incerto o que você sente?

L: Exato. Quando penso nisso, acabo dependendo do meu pensamento para compreender o que eu sinto, e isso, acho que não é muito cabível para mim. Mas, nesse breu, torna a minha vida muito suspeita de ser vivida. Como nada é decisivo ou tudo é incerto de acontecer, isso nos deixa angustiado para saber qual ação irá por vir e que consequência isso irá influenciar. Não é assustador?

Se: Mas a vida funciona assim. Se tudo fosse já "programado", a vida não teria tanto valor para nós.

L: É nessa hora que não acredito no destino. Enfim, isso me mostra que a vida está passando. Estamos morrendo agora, o tempo todo, desde que nascemos. Nessas horas, angustiada, eu lembro que não tenho mais ninguém para me fazer sair desse abismo. Na verdade, nunca tive. Eu o acho extremamente necessário, pois é com ele que vejo sentido na morte. Ela é consequência da própria vida, então ela precisa existir. O engraçado é que não tem como agir sobre a morte, logo, é um fato impossível de ser possível lidar, como já fazemos com a vida.

Se: Isso, a vida é feita de possibilidades sobre várias coisas, mas não tem como atribuir para a morte. É isso que você está falando?

L: Acertou. O que nos faz termos essa percepção é pela angústia. Ela é mais do que um sentimento, é um ensinamento. Viver uma vida angustiada o tempo todo é o mesmo que querer deixar de viver o tempo todo. Várias vezes já fiquei com esse "sentimento", e ele está sempre me ensinando algo, desde que eu era criança. Ela não é como a ansiedade, como achei que fosse.

A Linguagem de LiandraOnde histórias criam vida. Descubra agora