Capítulo 6

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Chegou o tão desejado sábado.

Juliette estava ansiosa por ter noticias da mãe.  Deslocou-se até à modesta casa e lá estava a sua nana sentada na rua apanhando ar.

- Bom dia nana.

- Bom diz minha querida.  Como estás?

- Muito ansiosa.  O que disse a minha mãe?

- Tens que ter muita compreensão em tudo o que vais ouvir.  Nada de julgamentos precipitados, prometes?

- Prometo.

- Então, entra.  A tua mãe está à tua espera.  Conversem tudo o que puderem, eu fico aqui.

Abri a porta com as pernas trémulas.

Ao fim destes anos todos ia ver de novo a minha mãe.

Confesso que até há bem pouco tempo nem me afectava o facto dela ter partido,  mas hoje eu quero saber tudo e se possível resgatar a relação.

Entrei e encontrei-a sentada no sofá com as mãos no rosto.

- Mãe!

Ela olhou para mim, levantou-se mas não se mexeu.  Ficou estática como que paralisada.

Estendi os braços e abracei-a fortemente.  Ela chorava copiosamente sem balbuciar qualquer palavra.

- Saudades, mãe.

Separámo-nos e ficámos de mãos dadas a olhar uma para a outra.

- Minha filha! Estás uma mulher linda.

Reparei então que aquela mulher elegante de que eu me lembrava não existia mais.  Na minha frente estava uma mulher simples, com umas vestes normais, sem aquele luxo a que eu estava habituada, sem maquilhagem mas continuava linda. 

- Mãe! Porque partiste?

- Eu vou contar um dia.  Hoje só quero desfrutar da tua companhia e dizer-te que apesar de te ter deixado com o teu pai, nunca te abandonei.

Sempre vivi aqui com a nana para poder ver-te crescer.  Tu não me vias mas eu sempre estava por perto.  Via-te feliz então fui-me conformando.

- Mas eu não era feliz.  Era só fachada.

- Perdoa-me filha. Fui obrigada a deixar-te. O teu pai foi muito cruel comigo.

- Porquê? E vives de quê? Vejo que aqui não têm  muita coisa.

- Temos o essencial. Eu sou professora na escola aqui do lado.  O que eu ganho mais a aposentadoria da nana dá para nós vivermos.

- Mas não é justo.  O meu pai não pode fazer isso.  Ele tem de sobra.

- Filha! Por favor não lhe digas que eu estou aqui e me encontraste. Tenho medo do que ele possa fazer.

- Está bem.  Mas vais-me contar tudo.  Já não sou uma criança como quando saíste de casa.  Juntas vamos achar uma solução.

- Está bem, mas agora vem cá que eu tenho saudades de te fazer um chamego.  Minha menina. O que fazes na vida?  Soube que te formaste.

- Sim,  em Psicologia, e faço voluntariado no hospital mas vou cursar enfermagem.  Descobri que é a minha vocação.

- E a Psicologia?

Ah mãe! Eu nem gosto muito disso.

- E decidiste fazer voluntariado porquê?

- Fui obrigada, mãe.  Fiz uma asneira e foi esse o castigo, além de outras coisas, mas hoje não quero falar disso.

Ficámos horas a conversar.  A mãe fez o almoço e almoçámos as três.
Eu sentia-me bem naquela simplicidade.

Rodolffo mais uma vez foi espreitar Juliette na secção de politraumatizados mas não a encontrou.
Perguntou por ela.

- A Ju hoje não vem.  Disse que ia fazer a matrícula na faculdade.  Vai cursar enfermagem.

- Mas eu vi a ficha dela e ela é formada em Psicologia.

- Isso não sei.  Desejava alguma coisa?

- Não.  Depois falo com ela.  É sobre uma questão que ela me pôs, menti.

Fui dar continuidade ao meu trabalho a pensar no assunto.

Os 6 meses de castigo da Ju estavam a acabar.  Decidi chamá-la ao meu gabinete e dizer quem era.

- Pode entrar Juliette.

- Licença doutor. Desculpe, há tanto tempo aqui e ainda não sei o seu nome.

- Rodolffo de Albuquerque.

- Olhei para ele e não consegui dizer nada. Baixei os olhos e senti as lágrimas quererem sair.

- Juliette! Já cumpriu o seu castigo, a minha mãe felizmente está quase recuperada a 100% então está na hora de cada um seguir com a vida em frente.

A mágoa que tive lá atrás já passou.  Concluiu o seu castigo, está livre para voltar à sua vida longe do hospital.

-  Não vou voltar a ser aquela Juliette.  Hoje estou mais madura e consciente de que posso fazer diferente.
Vou continuar com o voluntariado e num futuro próximo espero vir a exercer enfermagem,  aqui ou  noutro lugar.
Já me matrículei na faculdade.

- Fico satisfeito que toda esta tragédia tenha servido para a melhorar.
A minha mãe vai ficar satisfeita apesar dos pesares.

- Dr. Rodolffo! Já que estamos neste clima de sinceridade tenho uma coisa a confessar.

- Desde já peço desculpa pela ousadia mas durante estes meses todos eu tenho visitado a sua mãe. 

- Combinámos não lhe contar para não aborrecê-lo mas a ajuda e os conselhos dela foram vitais para a minha mudança.

- Estou muito grata à dona Vera que sempre me recebeu sem cobranças e sem julgamentos.
Espero que não se importe que eu continue a visitá-la.

- Se for do agrado dela eu não me oponho.

- Era tudo Juliette.   Muita sorte na sua nova jornada. Só tenha cuidado com os aceleradores.

Sorri e estiquei a mão.  Obrigada.

Ele correspondeu. Estarei sempre aqui para ajudar.

Sai dali feliz e pela primeira vez olhei-o com outros olhos.



Da àgua pró lixoOnde histórias criam vida. Descubra agora