Capítulo 13

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Tudo corria conforme o planeado.

O pai da Ju mudou de casa,  a mãe tomou posse do que era dela, trouxe a nana para morar com ela.

Alguns dos funcionários antigos ficaram  com ela. Os mais novos foram com o sr. Vasco de Bragança.

O Matias foi também.   Foram muitos anos atendendo ao senhor.

Rodolffo teve tempo para analizar os documentos que a Ju deixou.  Hoje ia com a mãe visitar a sua antiga casa.

Era uma casa bem diferente da actual.  Espaçosa, com jardim e piscina exterior mas estava algo degradada. Entraram em casa e até os móveis permaneciam ali.  No interior até estava bem conservada.  Os móveis, a minha mãe tinha-os coberto com lençóis e assim permaneciam.

- Mãe! Vendemos uma das outras propriedades para reformar esta,  não achas?

- Concordo filho. Vamos fazer isso.  Mas aquela casinha onde moramos, eu não quero vender.  Foi a nossa salvação.

- Como quiseres. Vamos agilizar tudo.  Quando a Ju voltar quero trazê-la aqui já com a reforma feita.

- Que ideia essa menina ir para Angola.  Logo ela que nunca soube o que é privação.

- Lembras-te de eu querer ir para os Médicos pelo Mundo? É a mesma coisa.

- Vocês não me inventem de ir os dois nessas missões!  Eu quero  ver o meu filho casado e os meus netinhos  a correr aqui.

- Se aquieta dona Vera. Isso ainda vem longe.

As notícias de Angola eram escassas.

Quando a Ju conseguia ligar o sinal era fraco e tantas vezes a chamada  caía a meio.

A Ju estava sempre a chorar.  Ficava deprimida pela miséria que via,  no entanto o povo era bem alegre.

Um mês se passou.  As conversas com a Ju melhoraram. Já entendia melhor tudo o que a rodeava. Adorava brincar com as crianças e facilitava o facto de todos falarem português embora algumas palavras e expressões fossem diferentes.

Cantavam e dançavam sempre que havia uma folguinha.

Hoje o meu plantão era na urgência.

Peguei na ficha de entrada de um paciente

- homem, 65 anos, possível enfarte.
Sentiu um aperto no peito e foi trazido às urgências pelo motorista.

Nome: Vasco de Bragança.

Fui olhar nos olhos daquele homem mas só vi um paciente.

Fiz o diagnóstico e pedi a realização de exames que encaminhei depois de prontos ao cardiologista.

Segui a minha rotina sem pensar mais no assunto.

No final do dia, no entanto,  fui saber mais.

- Esse senhor foi operado de urgência.   Durante a realização dos exames teve uma paragem cardíaca e depois de reanimado seguiu para a cirurgia.

- Está na UTI. O Dr.  conhece-o?

- Não pessoalmente.  É pai de uma das nossas voluntárias que por acaso está na missão que foi para Angola.

- Precisamos avisá-la.

-Pode deixar, eu faço isso.

Eu poderia não me importar com ele. Afinal ele foi o causador da desgraça da minha família.

Mas eu não era rancoroso e depois tinha a Ju. Como ia encará-la se não atendesse o pai com profissionalismo?

Esperei que o Matias aparecesse no hospital.   Eu sei que o pai da Ju não tem mais ninguém.

- Matias,  eu não vou contar à Ju.  Vou esperar para ver como se desenvolve o quadro clínico.  Se tiver melhoras eu não conto.  Se vir que pode ser fatal eu ligo.

- Está bem sr. Doutor.

- Quando ele sair da UTI eu aviso-te.

Pedi ao pessoal da UTI que me mantivesse informado sobre a evolução do doente.

A Ju ligava e eu tentava estar o mais normal possível.

Hoje disse-me que falou com a mãe mas não conseguiu falar com o pai.

Falou com o Matias que lhe disse que o pai tinha ido fazer os exames que o médico mandou.

- Finalmente aquele cabeça dura fez alguma coisa que eu pedi há tanto tempo, disse ela.

Fiquei triste por estar a mentir mas é por uma boa causa.  Ela sentiu.

- Hoje não estás bem! O que foi?

- Nada, não.  Apenas uns casos difíceis lá no hospital.   Estou cansado.

- Cuida-te. Vai descansar.  Um beijo.
Amo-te.

- Faltam 20 dias para voltares.  Amo-te.

A situação do poderoso Bragança manteve-se estável durante uma semana.
Hoje as melhoras eram bastantes. Começámos a retirar a respiração artificial.  Se se mantivesse assim amanhã seria transferido para um dos quartos individuais onde poderia estar acompanhado de um familiar.

A minha mãe estava completamente recuperada.  Hoje quis dispensar a Clara.  Já conseguia ser autónoma.  Ainda insisti mas ela não quis.

A Clara parece que já tinha falado com a mãe da Ju.  Ela continuava a ser professora e precisava de ajuda com a nana, então a Clara iria para lá pelo menos até terminar os estudos.

Faltavam 10 dias para a Ju voltar. Hoje o sr. Bragança veio para o quarto onde já estava eu e o Matias.

- Bom dia sr Bragança.  Como se sente.

- Muito bem. Acho eu.

- O sr. Matias pode ficar consigo visto que não tem mais ninguém.

- Tenho uma filha mas não está cá.  Está em Angola.

- Sr. Bragança,  eu sou o dr. Rodolffo Albuquerque e serei o médico que o vai seguir. O cardiologista vai passar aqui mas eu estarei sempre presente.

- Obrigado Doutor.

Não sei se ele  conheceu o meu nome mas não se manifestou.

Saí e segui a minha lista de visitas.

- Matias, o que aconteceu?

- O senhor e as suas teimosias.  A menina Juliette estava sempre a pedir para ir ao médico.
Teve sorte.  Foi atendido na urgência por este médico e foi encaminhado logo para a cirurgia.

- Este médico parece ser bom profissional.

- Bom profissional e boa pessoa. Outra no lugar dele o assunto era diferente.

- Que dizes?

- Nada.  O médico recomendou repouso. Faça-lhe a vontade.



Da àgua pró lixoOnde histórias criam vida. Descubra agora