Tudo corria conforme o planeado.
O pai da Ju mudou de casa, a mãe tomou posse do que era dela, trouxe a nana para morar com ela.
Alguns dos funcionários antigos ficaram com ela. Os mais novos foram com o sr. Vasco de Bragança.
O Matias foi também. Foram muitos anos atendendo ao senhor.
Rodolffo teve tempo para analizar os documentos que a Ju deixou. Hoje ia com a mãe visitar a sua antiga casa.
Era uma casa bem diferente da actual. Espaçosa, com jardim e piscina exterior mas estava algo degradada. Entraram em casa e até os móveis permaneciam ali. No interior até estava bem conservada. Os móveis, a minha mãe tinha-os coberto com lençóis e assim permaneciam.
- Mãe! Vendemos uma das outras propriedades para reformar esta, não achas?
- Concordo filho. Vamos fazer isso. Mas aquela casinha onde moramos, eu não quero vender. Foi a nossa salvação.
- Como quiseres. Vamos agilizar tudo. Quando a Ju voltar quero trazê-la aqui já com a reforma feita.
- Que ideia essa menina ir para Angola. Logo ela que nunca soube o que é privação.
- Lembras-te de eu querer ir para os Médicos pelo Mundo? É a mesma coisa.
- Vocês não me inventem de ir os dois nessas missões! Eu quero ver o meu filho casado e os meus netinhos a correr aqui.
- Se aquieta dona Vera. Isso ainda vem longe.
As notícias de Angola eram escassas.
Quando a Ju conseguia ligar o sinal era fraco e tantas vezes a chamada caía a meio.
A Ju estava sempre a chorar. Ficava deprimida pela miséria que via, no entanto o povo era bem alegre.
Um mês se passou. As conversas com a Ju melhoraram. Já entendia melhor tudo o que a rodeava. Adorava brincar com as crianças e facilitava o facto de todos falarem português embora algumas palavras e expressões fossem diferentes.
Cantavam e dançavam sempre que havia uma folguinha.
Hoje o meu plantão era na urgência.
Peguei na ficha de entrada de um paciente
- homem, 65 anos, possível enfarte.
Sentiu um aperto no peito e foi trazido às urgências pelo motorista.Nome: Vasco de Bragança.
Fui olhar nos olhos daquele homem mas só vi um paciente.
Fiz o diagnóstico e pedi a realização de exames que encaminhei depois de prontos ao cardiologista.
Segui a minha rotina sem pensar mais no assunto.
No final do dia, no entanto, fui saber mais.
- Esse senhor foi operado de urgência. Durante a realização dos exames teve uma paragem cardíaca e depois de reanimado seguiu para a cirurgia.
- Está na UTI. O Dr. conhece-o?
- Não pessoalmente. É pai de uma das nossas voluntárias que por acaso está na missão que foi para Angola.
- Precisamos avisá-la.
-Pode deixar, eu faço isso.
Eu poderia não me importar com ele. Afinal ele foi o causador da desgraça da minha família.
Mas eu não era rancoroso e depois tinha a Ju. Como ia encará-la se não atendesse o pai com profissionalismo?
Esperei que o Matias aparecesse no hospital. Eu sei que o pai da Ju não tem mais ninguém.
- Matias, eu não vou contar à Ju. Vou esperar para ver como se desenvolve o quadro clínico. Se tiver melhoras eu não conto. Se vir que pode ser fatal eu ligo.
- Está bem sr. Doutor.
- Quando ele sair da UTI eu aviso-te.
Pedi ao pessoal da UTI que me mantivesse informado sobre a evolução do doente.
A Ju ligava e eu tentava estar o mais normal possível.
Hoje disse-me que falou com a mãe mas não conseguiu falar com o pai.
Falou com o Matias que lhe disse que o pai tinha ido fazer os exames que o médico mandou.
- Finalmente aquele cabeça dura fez alguma coisa que eu pedi há tanto tempo, disse ela.
Fiquei triste por estar a mentir mas é por uma boa causa. Ela sentiu.
- Hoje não estás bem! O que foi?
- Nada, não. Apenas uns casos difíceis lá no hospital. Estou cansado.
- Cuida-te. Vai descansar. Um beijo.
Amo-te.- Faltam 20 dias para voltares. Amo-te.
A situação do poderoso Bragança manteve-se estável durante uma semana.
Hoje as melhoras eram bastantes. Começámos a retirar a respiração artificial. Se se mantivesse assim amanhã seria transferido para um dos quartos individuais onde poderia estar acompanhado de um familiar.A minha mãe estava completamente recuperada. Hoje quis dispensar a Clara. Já conseguia ser autónoma. Ainda insisti mas ela não quis.
A Clara parece que já tinha falado com a mãe da Ju. Ela continuava a ser professora e precisava de ajuda com a nana, então a Clara iria para lá pelo menos até terminar os estudos.
Faltavam 10 dias para a Ju voltar. Hoje o sr. Bragança veio para o quarto onde já estava eu e o Matias.
- Bom dia sr Bragança. Como se sente.
- Muito bem. Acho eu.
- O sr. Matias pode ficar consigo visto que não tem mais ninguém.
- Tenho uma filha mas não está cá. Está em Angola.
- Sr. Bragança, eu sou o dr. Rodolffo Albuquerque e serei o médico que o vai seguir. O cardiologista vai passar aqui mas eu estarei sempre presente.
- Obrigado Doutor.
Não sei se ele conheceu o meu nome mas não se manifestou.
Saí e segui a minha lista de visitas.
- Matias, o que aconteceu?
- O senhor e as suas teimosias. A menina Juliette estava sempre a pedir para ir ao médico.
Teve sorte. Foi atendido na urgência por este médico e foi encaminhado logo para a cirurgia.- Este médico parece ser bom profissional.
- Bom profissional e boa pessoa. Outra no lugar dele o assunto era diferente.
- Que dizes?
- Nada. O médico recomendou repouso. Faça-lhe a vontade.