Há alguns botões de flores nos jardins da escola agora que é quase primavera. As aulas acabaram de voltar, então o burburinho rotineiro triplica nos longos corredores mesmo que seja cedo demais para sequer ser possível raciocinar na aula de matemática.
Eu me sento no fundo da classe e ao lado da janela como sempre, onde posso ver os jardins e a fachada da escola, com um grande muro e portões de ferro com arabescos chiques. O brasão de ferro se forma quando o portão está fechado. Eu não deveria estudar aqui com o monte de filhos importantes dessa cidade, mas o meu pai conserta com frequência o carro de um certo ministro.
O professor continua batendo o giz na lousa e os alunos continuam conversando. Eu nem ouso olhar na direção de nenhum deles. A maioria dos professores não gosta de mim e a maioria dos alunos não têm coragem de falar comigo.
Apoio o queixo na mão e rabisco na minha mesa, às vezes parando para olhar lá para fora antes de continuar. Colo meu chiclete debaixo da mesa em algum momento, quando percebo que o sabor acabou.
Eu devo ter me distraído desenhando, porque o sinal bate antes que eu perceba que tanto tempo se passou e os alunos se levantam para perambular entre seus armários no fundo da sala.
— O que é isso, Jaehyun? — Meu melhor amigo, Daesun, se inclina sobre meus ombros, arrancando meu caderno da minha mão antes que eu possa cobrir meu desenho na mesa. — Uma pessoa? Achei que tivesse dormido sentado, já que estava tão quieto a aula toda. Vem comer?
Balanço a cabeça para cima e para baixo com um suspiro. Eu nem tenho o que guardar já que não tem nada demais para fora do meu armário. Mas levo meu lápis e o giro entre os dedos enquanto sigo Daesun, que passa cumprimentando todo mundo como se fosse a porra do prefeito.
Nós somos melhores amigos desde que quebrei o dente dele numa briga na escola e tive que levá-lo na enfermaria. Isso foi na quarta série.
O garoto praticamente me obrigou a guardar segredo sobre o lance do dente.
Acho que nós dois ficamos traumatizados demais e acabamos esquecendo qualquer problema depois de horas na enfermaria e no hospital — quando ele estava com medo e não quis me soltar por nada. — Nossos pais se conheceram naquele dia também e desde então mantém contato.
Sempre gostei muito dos pais dele, eles são muito acolhedores apesar do status. Não que os meus não sejam, mas meus pais são muito... livres, sem regras, com aquela frase de "não faça o que eu não faria" para qualquer situação. Acontece que eu não sei o que eles não fariam. A família do meu amigo é diferente, eles têm expectativas sobre seus filhos, querem que eles sejam pessoas importantes no futuro. É o que se espera de qualquer aluno desse lado da cidade.
Daesun pega dois salgadinhos na máquina da escola pra não termos que ir para a fila do refeitório e eu escolho duas latas de refrigerante. Vamos caminhando para a parte externa, onde a sombra acaba e o sol aquece nossas peles.
Ele senta com as pernas abertas num dos bancos de pedra e enfia um punhado de salgadinho na boca enquanto olha para longe. Eu sento sobre a mesa de pedra e apoio os pés no banco, abro a minha lata e tomo meu refrigerante olhando pro mesmo ponto que via da minha janela, onde um garoto está sentado na grama lendo O Alquimista, agora com sua melhor amiga com a cabeça apoiada em seu ombro enquanto ela come.
Hee é a irmã mais nova da amiga de Daesun. Apesar da irmã mais velha dela também me convidar para sair com eles com frequência, não a considero como amiga. Não sei nada sobre nenhuma delas, além do fato de não serem muito próximas.
O garoto pausa sua leitura com uma cara emburrada, seus olhos estão franzidos por causa do sol que reflete em seus óculos de grau e, quando ele vira o rosto, seu olhar se encontra com o meu. Suas sobrancelhas escuras abaixam antes dele erguer só uma e tirar sua mão do livro para me mostrar seu dedo do meio.
Eu não posso evitar sorrir de lado — ação que eu sei que faz minha covinha se destacar. — Mostro o dedo do meio segurando a latinha e com a minha outra mão livre também. Daesun ainda está distraído olhando para o céu e mastigando, então não me importo de continuar olhando para o garoto.
Esse é Kim Doyoung.
Ele é o irmão mais novo do meu melhor amigo.
E ele me odeia.
Por um bom motivo.
Porém isso não me impede de achá-lo fodidamente gostoso.
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Blame » dojae
FanfictionApós as férias, Doyoung retorna para o último semestre de aulas antes do seu último ano e precisa enfrentar as consequências de um acidente que mudou, talvez para sempre, a dinâmica da sua família e ele mesmo. Mas além disso, precisa enfrentar a últ...