Capítulo 6 - Dy

69 7 1
                                    

Depois do jantar, meu pai separa um prato para levar para a minha mãe. Ela sempre promete ir jantar com a gente, mas nunca vai. Ele deseja boa noite para nós e sobe.

Nenhum de nós diz nada enquanto se separa no corredor. Meu irmão e Jaehyun costumam fazer muito barulho quando estão juntos, principalmente à noite, quando a rua fica silenciosa e meu pai toma seus remédios para insônia. E não é como se minha mãe saísse da cama para alguma coisa nos últimos meses. Ela sai, mas eu prefiro quando não.

Por isso, coloco meus fones de ouvido antes de deitar na minha cama.

Eu abro meu notebook sobre meu colo e reparo nos últimos documentos que deixei aberto, o login da escola, os documentos que meus professores enviaram, lições que nem comecei. É começo de semestre, mas antigamente eu fazia tudo o que me fosse pedido antes de fazer qualquer outra coisa. Agora, eu ignoro todas essas páginas e abro uma nova, procurando algo interessante na internet, um jogo, qualquer coisa que me divirta um pouco.

Já são duas da manhã quando pauso minha série e tiro um dos lados do fone de ouvido. Achei ter ouvido alguma coisa, mas agora não ouço nada.

Aproveito essa pausa pra ir ao banheiro e depois buscar água na cozinha, porque a que havia na minha garrafa acabou. É quando chego a bancada americana — que minha mãe insistiu que meu pai construísse quando eles compraram a casa e perderam a venda da outra que ela tinha amado para outra pessoa — que ouço barulho novamente e identifico de onde vem.

Jaehyun costuma dormir aqui desde que eu me lembro, ele veste uma calça xadrez na maioria das vezes e regata, ou moletom ou... não veste nada em cima. Hoje ele está de moletom, virado de costas para mim e mexendo algo dentro de uma panela no fogão.

Eu passo por ele e pego a água na geladeira para encher minha garrafa sobre a bancada atrás dele. Sinto seus olhos sobre minhas costas.

— O que você está fazendo? — pergunto sem me virar. Talvez em um tom mais sarcástico do que deveria.

— Chocolate quente. Não conseguiu dormir?

Quando eu me viro e me aproximo da pia ao lado dele para encher a garrafa da geladeira, percebo que ele abaixou o fogo e está de braços cruzados virado na minha direção. Toda sua atenção concentrada em mim.

— Não... — admiti, porém incapaz de falar mais do que isso. — Você? — Pude vê-lo balançando a cabeça com minha visão periférica.

— Quer um pouco? — Ele balança a cabeça na direção da panela quando eu termino de guardar a garrafa de volta na geladeira e pego a minha. Fica claro que estou hesitando e por algum motivo isso me faz me sentir envergonhado. Eu não deveria me sentir assim! Eu deveria apenas recusar e ir para o quarto. — Meus pais faziam pra mim quando eu era criança e não conseguia dormir. Ajuda, de alguma forma. — Seus ombros balançam para cima.

Assinto. Não para a história dele, para sua oferta, e isso me deixa irritado porque eu deveria deixar claro que o odeio até quando está assim, se mostrando vulnerável. Mas, pelo contrário, eu sento na bancada virado pra ele e espero até que esteja pronto.

É muito estranho estarmos aqui juntos sem discutir. Mas o silêncio é estranhamente confortável. Há uma coisa tensa no ar entre nós, fica espessa tão rápido quando ele me olha que quase se torna física.

— Aí! — Meu olhar caí para sua mão agarrando a outra. Ele acabou de se queimar muito feio na panela. — Cacete.

— Espera. — Desço do balcão e me aproximo para olhar melhor, segurando seu pulso. O cabelo dele faz cócegas quando ele inclina a cabeça para baixo e os fios encostam na minha testa. — Vamos colocar debaixo da água da torneira primeiro.

Ele me assiste ligando a torneira da pia e puxando seu pulso, com uma expressão estranha.

— Onde aprendeu isso?

— Na escola. Não lembra das aulas de primeiros socorros que tivemos?

— Não?

Rio enquanto olho para a água corrente que cai devagar sobre a sua mão.

— Claro que não, você estava ocupado demais zoando junto com meu irmão.

— Espera... Você estava lá? Quando tivemos uma aula juntos? — Seu rosto abaixa para me olhar melhor e eu viro para encará-lo com uma sobrancelha arqueada. Ele tem uma memória péssima.

— Foi na quadra de basquete, era uma aula geral e nossas turmas ficaram juntas — digo, dando de ombros como se não fosse nada demais. Todo mundo gostava quando as salas e as séries se misturavam porque era mais divertido, mas não era como se eu tivesse muitos amigos. Hee e Ty sempre bastaram.

— Eu não me lembro.

— Claro.

O silêncio cai entre nós, dessa vez desconfortável. Eu solto seu pulso porque, sinceramente, não preciso ficar segurando ele lá. Porém Jaehyun tira a mão da água e eu volto a segurar.

— Idiota, precisa deixar aí mais tempo.

— Quanto tempo?

— Eu não lembro, mas deve ser mais do que isso.

— Você não sabe? E tá me julgando por não lembrar de uma aula? Estudo há anos e sou mais velho que você, ok? Tenho mais conteúdo pra memorizar.

O som da minha risada saí como um sopro incontido, porque todo mundo sabe que Jaehyun não é muito de estudar.

— Você está só um ano na frente. Mas está certo, você é velho então é mais propenso a esquecer — zombo, sorrindo como um anjo que não acabou de tirar uma com o que ele disse.

Ele faz um som parecido com um rosnado para mim, nem um pouco satisfeito com o que eu disse.

— Um ano tem muita diferença — ele diz por fim, ignorando o resto e forçando uma voz calma.

— Como? — Desligo a torneira e inclino a cabeça, olhando em seus olhos que consigo ver apesar do rosto dele estar contra a luz e cheio de sombras.

Ele faz uma pausa, sem dizer nada enquanto me olha.

— O que devemos fazer depois? — Ele olha para sua mão em seguida, me ignorando de novo e puxando seu pulso do meu aperto leve.

— Eu vou pegar o kit no banheiro, espera aqui. — Eu ando para fora da cozinha e ele me segue.

— Vou com você.

O banheiro no primeiro andar é o único com esse kit de primeiros socorros porque é mais fácil de achar e os acidentes acontecem com mais frequência na cozinha. Eu levanto os braços para pegá-lo em cima do armário na parede e quando me viro, Jaehyun está sentado sobre a tampa da privada.

Ok. Preciso me abaixar para deixar a caixa no chão e trabalhar.

Ele não fala nada enquanto coloco soro fisiológico e gaze, muito concentrado em morder seu lábio inferior para não chiar de dor. Seu rosto se contorce apesar de não fazer barulho, e meu peito dói, porque imagino o quanto deve estar doendo para ele aceitar que eu ajude com isso.

— Precisa repetir isso e passar pomada durante a semana, até melhorar. Essa deve servir... — Entrego uma embalagem que papai já abriu quando se queimou igual a ele: no fogão.

Eu percebo seu silêncio e levanto a cabeça, notando seus olhos em mim. Ele desvia o olhar para a mão e eu me levanto.

O banheiro aqui em baixo é apertado e menor que os outros, não faço ideia de como conseguimos ficar tão próximos sem brigar um com o outro.

Eu saio primeiro, sem dizer nada.

— Onde você vai? — Ele segura o tecido do meu pijama, no braço, com o dedo indicador e o polegar. Quando me vê encarando isso, ele solta.

— Pra cama.

Jaehyun parece querer dizer alguma coisa, mas eu não deixo. Apenas me viro e subo antes que ele tente.

Não é como se eu estivesse realmente fugindo. Eu terminei o que tinha que fazer. Agora eu devo lembrar o motivo de não gostar dele.

Blame » dojaeOnde histórias criam vida. Descubra agora