Capítulo 3 - Jae

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Estou encostado contra o batente da porta enquanto Daesun e seu irmão mais novo ocupam as cadeiras em frente a mesa da diretora. Os amigos patéticos de Doyoung, incluindo aquele garoto grudento, estão encostados na parede do lado de fora, ouvindo tudo.

Eu penso em dedurar os dois só para não precisar ver a cara dele. Só para mantê-lo longe de Doyoung.

Eles sempre foram próximos, e eu sempre odiei a forma como ele toca e abraça Doyoung o tempo todo. Como se Doyoung fosse dele.

Taehee está me encarando há alguns minutos e eu estou fingindo que não noto. Ela tem uma queda por mim, tenho certeza. Eu sempre a pego me olhando na casa dos Kim ou na escola. Acho que mesmo que ela não tire os olhos de mim, ainda assim não consegue notar que não tenho interesse em nenhuma garota e que sou completamente gay. Eu só comecei a notar que ela está sempre me olhando, porque eu estou sempre observando ele, seu melhor amigo. Eu tento evitar, mas quanto mais eu digo para não olhar, menos consigo me conter.

Doyoung era fofo no ensino fundamental, com seus óculos pretos redondos e seu cardigan do uniforme. Ele costumava sorrir muito, até mesmo comigo.

Agora olho para ele com uma camisa de botões com os primeiros abertos, calça preta e os óculos com uma armação discreta, com o cabelo preto caindo na testa e a expressão carrancuda para o irmão... com seu rosto bonito machucado na maçã do rosto e no canto do lábio, e eu penso que ele não poderia ter ficado mais... Jesus, é de tirar o fôlego.

Ele dizia que eu era um pegador, que as meninas não paravam de olhar para mim e seu irmão. Agora ele não percebe que é ele que chama a atenção de todo mundo. As pessoas giram a cabeça quando ele passa.

Taeyong faz isso.

Eu faço.

Cerro os punhos e tento manter a concentração na conversa deles. A diretora não se importa comigo porque sabe que não desgrudo do meu melhor amigo e vice versa.

— Eu entendo que é uma situação — ela parece procurar a palavra correta por um momento — complicada. E um tanto delicada. Mas não posso deixar isso passar assim.

— O quê? — Daesun parece preocupado, principalmente quando a mão da diretora agarra o telefone fixo.

— A família deles passou por muita coisa nos últimos meses, diretora. Eles são irmãos, vão se resolver — digo sem mover um músculo fora do rosto. A diretora olha por cima da cabeça dos dois e me analisa. Ela nunca entendeu por que um Zé-Ninguém como eu, virou amigo dele. Ou por que eu me esforço para defendê-lo quando não me esforço em mais nada.

Doyoung vira a cabeça para a parede oposta a o lado de seu irmão e suspira com um riso sarcástico. Ele não vê que estou livrando sua bunda aqui?

Por fim, a diretora relaxa contra sua cadeira e olha para eles dois, tomando uma decisão.

— Foi a primeira ocorrência de ambos. — Isso que ela saiba, né. — Se Doyoung não quiser levar isso adiante vou deixar isso passar com um pedido de desculpas. Doyoung?

Doyoung não olha para nenhum deles, ele gira o pescoço sobre o ombro e vejo que me culpa por ter que fazer isso.

— Faça logo — ele diz, olhando para as mãos de seu irmão quando os dois estão virados um para o outro. Eu nunca vi os dois tão desconfortáveis.

— Sinto muito por ter batido em você quando você jogou aquele livro em mim.

Doyoung afunda a cabeça na sua camisa como se fosse um avestruz, suas orelhas estão vermelhas.

Daesun é inteligente, ele planejou exatamente o que dizer, porque dessa forma sabe que agora Doyoung precisa se desculpar também. Ele não vai dar o braço a torcer sem arrancar pelo menos o mesmo constrangimento dele.

— Doyoung — a diretora o incentiva.

— Eu não deveria ter arremessado aquele livro. — É tudo o que ele diz.

— Agora um abraço — ordena a diretora. — Por favor, vocês são irmãos, não deveriam nem estar na minha sala.

— Isso é demais. — Daesun protesta, porque aposto que ele sabe como Doyoung odeia ele. — Um aperto de mãos?

Doyoung assente e pega a mão de seu irmão dando uma chacoalhada firme antes deles se soltarem.

Eu encosto minhas costas completamente no batente da porta quando Doyoung passa por mim, mas ele ainda assim insiste em esbarrar em mim com um olhar furioso. Não reclamo, porque eu até gosto que ele faça questão de tocar em mim.

Seus amigos o seguem como dois cachorrinhos na coleira. Eu sorrio discretamente e volto a olhar para o meu amigo e a diretora.

— Trate bem seu irmão mais novo.

— Eu sei.

— Ele não tem se comportado muito bem nas últimas aulas. Estou preocupada com ele também. Suas notas estão despencando.

Eu congelo. Doyoung sempre foi um aluno excelente. Ele nunca deu trabalho aos seus pais, diferente de mim.

— Meu pai conversou com ele nas férias. Ele está fazendo terapia.

O quê? Por que eu não fiquei sabendo disso?

A diretora parece que vai dizer alguma coisa a mais, porém seu olhar se detém em mim e ela franze as sobrancelhas.

— Tudo bem?

— Tudo. — Forço minha expressão a ficar o mais neutra possível enquanto Daesun vira e me olha também. Não importa o que a diretora tenha visto antes, ele não vê nada demais. — Vai demorar muito ainda?

— Já acabei — diz a diretora finalmente.

Caminho ao lado de Daesun o mais naturalmente que consigo, mas minha mente me sacaneia me imaginando encurralando Doyoung para descobrir o que está acontecendo. Ele parecia bem. Com raiva de mim, mas bem.

Será que seus amigos sabem sobre a terapia? Eles conversam sobre o que aconteceu?

Doyoung poderia ter me dito. Não, ele não diria. Ele não saberia que podia dizer. Mas ele pode. Droga, ele pode falar comigo.

Sempre.

Blame » dojaeOnde histórias criam vida. Descubra agora