Acho que a ficha sobre nosso termino só caiu de fato quando o vi no dia seguinte, chegando em sua moto daquele jeito que atrai o olhar de todo mundo. Seu cabelo loiro desgrenhado brilhando na luz da manhã e o rosto sério que ele sempre exibe por aí. E ele nem olhou para mim.
Antes não nos falávamos na escola porque não podíamos correr o risco de Daesun descobrir. Quer dizer, acho que ele também queria que fosse segredo. Eu não me importava de fato que as pessoas soubessem. Eu só me importo com ele. Mas agora nós voltamos ao começo, onde não nos falamos e nem olhamos um para o outro. Talvez até pior do que isso, porque dessa vez Jaehyun nem me lança seus sorrisos provocadores.
Sinto um vazio no lugar onde ele costumava estar. Quando chego em casa depois das aulas, nem consigo lembrar o que eu fazia nesse tempo livre. Acho que estudava, lia e gastava o tempo assistindo séries, mas não quero fazer nenhuma dessas coisas agora.
Almoço com meus pais, ouvindo eles planejarem sair no fim de semana, sorrindo um para o outro como costumava ser. E fico feliz por eles, apesar de não conseguir demonstrar neste momento.
No jantar é a mesma coisa, com Daesun irritando eles sobre serem grudentos e me enchendo o saco para passar todos os temperos que ele quer. Mas eu não reclamo de fato, porque nem estou mentalmente presente.
Eu vou para a escola, volto para casa, faço as refeições com eles e saio com Taeyong, já que Hee não quer nem sentar perto de mim na aula. É uma rotina completamente monótona e eu nem me lembrava de tudo isso ser tão chato. Não lembro de odiar tanto a forma como eu vivia.
Depois da aula na quinta-feira, subo para o meu quarto, mas em vez de entrar, paro em frente à porta do meu irmão mais novo. Meus dedos seguram a maçaneta e eu a giro depois de muito tempo sem fazer isso. O quarto tem um cheiro arejado de limpeza e tudo está arrumado, até o arco que ele costumava deixar jogado pelo chão. Suas gavetas estão organizadas minuciosamente e os livros estão todos na estante em cima da cama, que fica no canto da parede.
Vou até a janela em frente a ela e encaro os fundos da casa, onde nossa piscina está.
Não sei o que deveria sentir entrando aqui, mas parece errado que seja esse nada. Parece errado que as coisas dele estejam em ordem, quando nunca costumavam estar.
Fecho a porta do quarto e volto para a janela onde sei que ninguém vai aparecer, porque nossos pais evitam essa parte da casa. Abro ela e me sento sobre a tintura branca, apoiando meus braços sobre meu joelho e deixando que as lágrimas fluam.
Eu sei que culpei Jaehyun pelo que aconteceu, mas nunca acreditei que a culpa fosse só dele.
A culpa era dos meus pais que o deixavam voltar sozinho para casa. Que não monitoraram seus filhos naquele dia e confiaram que dois adolescentes podiam cuidar de uma criança.
A culpa era do meu irmão mais velho, que deu ouvidos ao seu melhor amigo e fez uma festa em casa que o deixou trancado para fora. Ele deveria ser o responsável, aquele que se preocuparia se seu irmão caçula chegou em casa depois de uma aula vespertina.
A culpa era do melhor amigo que jurou que era uma boa ideia fazer aquela festa, só para me provocar, porque sabia que eu odiava isso.
A culpa era minha, que deveria ter ficado em casa e não me deixado afetar pelas provocações de Jaehyun. A culpa era minha, que era seu irmão favorito, aquele em quem ele mais confiava para cuidar dele, e não atendi sua ligação ou vi suas mensagens dizendo que estava trancado para fora de casa tarde da noite.
Sempre penso por quanto tempo ele deve ter ficado sentado nas escadas ali embaixo, esperando que Daesun o encontrasse esperando nos fundos da casa, já que não atendia a campainha. Sempre penso no que o levou para perto da piscina coberta com aquela capa. Penso por quanto tempo ele ficou lá.
Daesun nunca falou sobre aquele dia. Sobre quando o encontraram.
Um de seus amigos avisou meus pais, mas foi a irmã da Hee que ligou para ela e só assim eu soube. Eu voltei para casa esperando ser mentira, esperando que fosse uma brincadeira idiota do meu irmão mais velho.
Não consigo lembrar se gritei primeiro, chorei ou culpei Daesun e Jaehyun por aquilo. Não consigo lembrar de muita coisa sobre os primeiros dias em que percebi que aquela era a realidade e que eu nunca mais o veria vivo.
Lembro dele no caixão, deitado com os olhos fechados, tão pequeno e arrumado. Não consegui olhar por muito tempo, mas lembro de Daesun imovel ao meu lado, sem dizer nada, simplesmente encarando até o final da cerimônia.
Ele ajudou o papai com a mamãe nos primeiros meses, até perceber que ela não iria melhorar. E sei que ele e papai conversavam sobre consultar um especialista para toda a família. Daesun nunca me disse se foi nas consultas dele, mas algum tempo depois, ele voltou para a escola como se nada tivesse acontecido, e eu simplesmente o odiei por isso.
Meu psicólogo ficava me dizendo que eu não podia presumir que ele estava bem só com base no que eu via. Mas como não? Eu estava vendo ele rindo, brincando e se divertindo todos os dias enquanto nossa família se despedaçava, enquanto eu mal conseguia me olhar no espelho sem me odiar por aquele dia. Ele não sentia nem um pingo de culpa?
Acho que foi a partir daí que essa história começou. Que o odiei tanto que queria vê-lo tão magoado quanto nós estávamos. Porque, por que somente Daesun e Jaehyun podiam estar bem depois do acidente?
Bato a parte de trás da minha cabeça na moldura da janela, suspirando.
Eu nunca perguntei diretamente como nenhum deles se sentia com isso. Porque sou covarde demais para ouvi-los. Porque tenho medo de ter julgado cada um deles esse tempo todo, enquanto eles estavam sofrendo tanto quanto eu lá no fundo.
Meu corpo todo para e prendo a respiração quando ouço a voz de Jaehyun no cômodo ao lado, naquele que fica na ponta entre o quarto do meu irmãozinho e o meu. O quarto de Daesun.
Faz dias que ele não vem aqui.
Ouço sua risada junto com a de Daesun e meu coração dói ao mesmo tempo que se aquece.
Acho que ele está melhor do que eu, pelo menos.
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Blame » dojae
FanfictionApós as férias, Doyoung retorna para o último semestre de aulas antes do seu último ano e precisa enfrentar as consequências de um acidente que mudou, talvez para sempre, a dinâmica da sua família e ele mesmo. Mas além disso, precisa enfrentar a últ...