Antes do acidente, Jaehyun e eu já davámos indícios de que gostávamos um do outro. Surpresos? Eu não.
As festas eram sempre na Taeha, mas começaram a ser em casa de uma hora para outra. O fato de eu não gostar de festas e passar o dia lendo na sala de estar deve ter sido o que o motivou a ficar tanto tempo na minha casa.
Ele nunca dizia diretamente, mas eu sabia que era por minha causa. Ele queria deliberadamente me irritar já que eu o evitava tanto quanto evitava o meu irmão mais velho popular. Só que em vez de dizer alguma coisa, eu me trancava no quarto ou saia com Hee.
Era um flerte estranho, com sorrisos escondidos em horas inoportunas e gestos tão pequenos que Daesun nunca percebeu, mesmo na frente dele.
E eu queria odiar ele. Queria mesmo. Mesmo naquela época, quando eu não tinha nada além da superficialidade adolescente nele para reclamar.
Olho para o céu sobre nossas cabeças e coloco um braço atrás do pescoço. É meu tom favorito de azul.
Mas eu não o odiava de verdade. E ele não queria me irritar de verdade.
Naquela silent night que eles prepararam, eu lembro exatamente do momento que decidi sair de casa. Lembro de olhar para o Jaehyun no corredor dos nossos quartos e ele sorrir de canto, sem seu fone de ouvido.
Todo mundo estava na sala lá embaixo e o silêncio fora daqueles fones era absurdamente alto.
Ele ia me dizer alguma coisa. Ele ia ultrapassar uma linha que eu não queria ainda. Que envolvia ter que me explicar pro meu irmão mais velho e os meus pais e com uma parte minha que eu não queria aceitar. Então eu me adiantei e desci as escadas.
Fui na direção da porta de entrada e olhei diretamente pro meu irmão mais velho, salientando que odiava sua festa.
Assim que cheguei na calçada, já estava na quinta mensagem para Hee perguntando se poderia ficar na casa dela naquela noite. Meus pais estavam na casa da minha avó e só voltariam dali dois dias. Daesun e eu deveríamos cuidar do nosso irmão mais novo.
Ele estava no clube de arco e flecha que terminava tarde às sextas-feiras, mas era perto de casa, então ele podia voltar sozinho. Eu não me preocupei o suficiente.
Chamei um carro por aplicativo e fui encontrar com a minha melhor amiga.
— Você sempre é tão calado — diz Jaehyun, sentado no chão ao lado da rede no meio do nada. Ele trouxe uma toalha para colocar na grama, e comida.
É a primeira vez em semanas que conseguimos nos encontrar por mais de alguns minutos.
Eu viro a cabeça na direção dele e passo a mão livre no seu cabelo castanho-loiro.
Acho que éramos inevitáveis. Acho que, por mais que meu coração se aperte no peito só de pensar nisso, não tinha como nenhum de nós interceder no destino. No que aconteceu.
Jaehyun sorri sem olhar para mim, desenhando no caderno apoiado em suas pernas. Ele é um artista.
Ele é de aquário, gosta de branco, dois centímetros mais alto que eu, abraça seus travesseiros ao dormir e dorme mal. Ele jogou futebol quando mais novo, mas queria ter feito basquete ao invés disso. Ele teve problemas com as crianças no clube. Ele tem problemas com alguns professores e alunos da sua sala também.
— Qual seu gênero de filme favorito? — pergunto, deslizando o dedo pelo lóbulo de sua orelha.
— Ação — ele afirma, como se tivesse absoluta certeza disso.
Eu desço da rede para sentar ao seu lado e ele reserva um minuto para me olhar. Então eu o beijo.
É breve, mas me faz corar, principalmente quando ele me encara tão profundamente. E preciso continuar falando.
— Quer ir ver um filme no cinema?
— Hoje? — Ele inclina a cabeça para o lado, ainda olhando para mim.
— Hoje à noite. — Assinto.
— Tudo bem. É um encontro.
— Não é um encontro. Desde quando você desenha? — Aponto para seu caderno que parece ter muitas páginas usadas.
— Desenho desde criança, eu acho. Ah, e você me convidou para um encontro, sim.
Encaro ele, cético. Mas ele apenas continua sorrindo.
— Tudo bem, é um encontro — digo, desistindo.
— E você? O que você gosta de fazer? — Apesar de não comemorar, é óbvio que está gostando de sua vitória. Está estampada por todo o seu rosto.
— De ler.
— Ler, ler e ler. Entendi. O que mais?
Dou de ombros.
— Não sei. Não faço muita coisa.
— Deveria tentar e descobrir. — Ele continua desenhando e eu o observo: sua postura, a mão envolta do lápis e a outra do caderno, seu rosto concentrado. — Qual a sua estação do ano favorita? — ele pergunta e levanta a cabeça, me pegando encarando.
— Primavera. — Olho para o campo cheio de grama.
Vejo-o assentir pelo canto do olho.
— Deveríamos voltar aqui na primavera então. Vai ter muito mais flores.
— E a sua?
— Também gosto.
— Você também gosta da primavera?
Ele assente.
— Também gosto de você.
Não consigo evitar ficar tímido, então ao invés de tentar eu só apoio os braços nos joelhos elevados e deixo minha cabeça cair em seu ombro ao meu lado.
Eu também, Jaehyun. Eu também.
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Blame » dojae
FanfictionApós as férias, Doyoung retorna para o último semestre de aulas antes do seu último ano e precisa enfrentar as consequências de um acidente que mudou, talvez para sempre, a dinâmica da sua família e ele mesmo. Mas além disso, precisa enfrentar a últ...