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No dia 17 de Julho, às duas e quinze da manhã, Esther Sinclair havia morrido por conta de uma insuficiência cardíaca. Cerca de três dias depois, houvera um velório simples, apenas com familiares e os mais próximos disso. Desde então, levaram dois meses inteiros para Enid conseguir parar de chorar, ainda sem conformar-se com o fato. Havia realmente criado fortes expectativas de que sua mãe voltaria para casa algum dia. Ela parecia tão bem, calma, como se estivesse em paz. Ou decidida à ir busca-la em algum lugar longe o suficiente para não conseguir voltar atrás.

Claro que a garota de olhos azuis tivera muito apoio, com as pessoas não poupando ouvidos sempre que ela precisava —e conseguia— desabafar, porém estar na mesma casa, as diversas condolências e nenhum segundo em que de fato pudesse respirar, a mantinham parada em Julho. Junto de seus irmãos e pai —passando a mesma dor dia após dia— foi o que de fato fez a dor vir forte e intensa, infelizmente não toda de uma vez.

Mesmo que por muito tempo tenham brigado, ela era sua mãe.

Conforme as inscrições para a faculdade começaram a ocupar boa parte do seu tempo, Enid foi se esforçando mais para parar de pensar com tanta frequência. Precisava deixá-la ir, como em um sonho lhe fora dito, inclusive. No fundo, ela sabia. No entanto, o rosto apático não mudava, os olhos azuis estavam um pouco mais escuros —vezes vermelhos— e o sorriso aberto era mais difícil de ser arrancado. Isso apesar de saber que tinha muito mais dinheiro do que o esperado na conta e, somado com o que ela fez por conta própria, poderia ir com Wednesday para Havard, que aliás ambas foram aceitas pela ótima grade desde o nono ano.

Wednesday. Frequentemente, para tentar animá-la, mostrava protótipos do dormitório que logo teriam juntas e idealizava suas rotinas. Mas nem mesmo ela estava conseguindo estar perto da Sinclair, por mais que se esforçasse para ser "a otimista da relação", ao menos temporariamente.

— Oi, cara mia —Wednesday disse enquanto chegava no que sobrara do quarto dela, tirando-a de seus devaneios— O pessoal já chegou.

Enid suspirou. Tinham marcado um jantar com os amigos de ambas para aquela noite, uma despedida, mas ela não estava com a mínima vontade de socializar. Além deles, lá estava Isabella. Sim, o novo relacionamento de Murray também ficara sério e fora assumido para os outros filhos, que se deram muito bem com ela. Tudo estava caminhando para um novo começo.

— Já desço.

Wednesday ficou algum tempo ali parada. Destava o sentimento, mas não poderia negar que não sabia como consolar a namorada, nem sequer conversar direito com ela. Há pouco mais de três semanas tinha aceitado um afastamento parcial não verbalizado e agora a visitava de dois em dois dias apenas, o que chateou a de olhos azuis. Apesar de pedir para ficar sozinha, não era o que queria de verdade. Queria que alguém persistisse, que também não a deixasse por mais difícil que fosse. E queria que esse alguém fosse a Addams.

— O jantar está quente. Vamos logo —Insistiu.

— Disse que já desço.

— Cara mia...

— Eu quero ficar sozinha mais um pouco, Wednesday —Determinou, interrompendo-a.

A menina de olhos castanhos pensou em dar as costas e ir embora, como fizera nas outras vezes, mas parou e decidiu que desta vez não obedeceria. Mais do que toda a saudade e desconforto, faltava apenas uma semana para viajarem. Entrariam faculdade e morariam juntas, mas Enid não parecia estar pronta, muito menos com vontade de dar esses novos passos.

— Não. Eu não quero sair. Não de novo. Diga-me, o que te deixaria melhor? Pelo menos um pouco. Eu faço qualquer coisa. Eu preciso.

Pela primeira vez em meses, a Sinclair ficou surpresa. A namorada sempre tivera certa devoção em sua voz e ações, mas agora parecia um novo nível. Persistência.

Caminhar • WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora