Cara mia: estou indo
Quando recebeu essa mensagem, Wednesday ficou surpresa e levantou da poltrona em um salto. Era o primeiro sinal de vida vindo de Enid desde o dia anterior. Além disso, há semanas ela mal saia do quarto e agora estava a caminho da sua casa, o que definitivamente fazia da ocasião importante. Dito isso, a Addams esqueceu o livro que lia em qualquer canto e foi se aprontar. Como fora rapida, culpa da ansiedade, aderiu ao velho hábito de olhar pela janela.
Estava nervosa, trêmula, sem conseguir acalmar o coração dentro do peito. Seria um dos diálogos mais complexos da sua vida por questões de consequências. Céus, somente pensar na possibilidade de terminar seu atual relacionamento a deixava amargurada. Amava aquela mulher mais do que qualquer outra coisa na vida, perdendo apenas para si mesma. Tinha planos e sonhos de uma vida inteira pela frente. Logo a menina que batia os pés para afirmar —e reafirmar— que não formaria uma família, não se casaria. Hoje ela gosta da ideia de uma formalidade e pequenos seres de, por exemplo, cabelos castanhos e olhos azuis.
Wednesday fora tirada dos pensamentos com a visão dela chegando, e ficou surpresa com a sensação de animação por ser muito parecida com a primeira vez, mas agora desinibida, abertamente apaixonada. Sequer permitiu-se ficar admirando, sabia que perderia a noção do tempo, então saiu dali e sentou-se na cama. Thing assustou-se com o movimento repentino, já que dormia por ali. Ronronou, como quem reclama, e se espreguiçou, mas logo foi para o lado da dona, como se soubesse que ela passava nervoso.
Primeiro ouviu a porta principal ser aberta, depois vozes, passos e, por fim, batidas em sua porta. Logo respirou fundo, levantou-se e abriu de uma vez, como se arrancasse um bandaid da pele.
— Oi —Enid cumprimentou timidamente e a Addams fez esforço para não expressar como achava que ela estava amável com as bochechas coradas.
Apesar de ser quase noite, o calor de setembro a afetava, por conta da pele pálida.
— Olá, cara mia. Fico feliz pela visita repentina.
— Tecnicamente você sabia.
— Pontos de vista. O que acha de um lanche?
— Eu quero saber sobre o que precisamos conversar —Determinou sem rodeios e a outra suspirou.
— Entre —Pediu e foi obedecida.
— Uau. O Thing está grande —Comentou enquando o animal passava o corpo em sua perna.
Wednesday sorriu, concordando, sentou no estofado e a chamou com um gesto. A princípio, ficaram frente a frente em silêncio. Então, percebendo que Enid não o faria, ela começou:
— Acontece que eu finalmente parei para pensar e sei o que você queria de mim esse tempo todo.
Com apenas uma frase, tinha toda a atenção em si.
— Como, se nem mesmo eu sei?
— Já estive nessa posição. Você não precisava ouvir que tudo ia ficar bem alguma hora e nem mesmo que eu persistisse apesar de você pedir o contrário. Você só precisava ser abraçada. Precisava que alguém olhasse nos seus olhos, dissesse que entende a sua dor e você realmente sentisse isso. Além disso, queria que te tratassem só como alguém, não alguém que perdeu outro alguém. Não queria lembrar o tempo todo.
A loira desviou o olhar e sentiu pela primeira vez em meses que algo sobre si fazia sentido. Como uma chave virada, como se o quebra-cabeça fosse montado e a neblina parasse de deixar seus pensamentos turvos.
— Você... tá certa —Foi o que conseguiu responder, em voz baixa, e teve suas mãos seguradas.
— Desculpa por demorar a verbalizar mas eu estou aqui, sempre estive e espero sempre estar. Não só entendo a sua dor como afirmo que tem todo tempo que precisar para superá-la. Não precisamos falar sobre isso, não precisamos lembrar. Podemos apenas... continuar. Pelo menos por um tempo. E você pode chorar até essa dor ir embora. Não te faz mais fraca.
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Caminhar • Wenclair
Hayran KurguEnid precisava arrumar dinheiro. E rápido. Então, começou a levar a cadela da sua vizinha para passear depois da aula. Todas as vezes ela passava na frente da casa de Wednesday, que por sua vez ficava a observando pela janela. Um dia, ela decidiu se...