Caminhar • Wenclair

4.

Física já não era uma matéria que atraía muito da atenção de Wednesday normalmente, porém estar estudando um capítulo de difícil entendimento conseguia deixá-la mil vezes mais distraída. Somente depois de uns trinta minutos consecutivos tentando, conseguiu se concentrar e até começou a compreender melhor os conceitos, mas fora interrompida por seus pais, que entraram no quarto após dar duas batidinhas na porta.

— Podem me dar um segundo? Faltam apenas dois exercícios para eu encerrar essa droga de matéria por hoje.

— Não vamos demorar. Eugene perguntou se pode vir te visitar. De novo —Gomez contou sem enrolação.

Ela soltou a caneta e apoiou a cabeça nos cotovelos. Pouco mais de uma semana havia se passado desde o aviso da mãe sobre a ligação do amigo e, desde então, aquela era a terceira vez que ele pedia para vê-la pessoalmente. A garota de olhos castanhos estava ficando cansada de ter que explicar que ainda não se sentia pronta para ver ninguém que a conhecia antes do acidente —principalmente seus amigos mais próximos— mas aquilo parecia fugir da memória do menino assim que o dia passava.

— Não. E peçam para ele parar de insistir, por favor.

— Estamos tentando, mas é doloroso vê-lo se esforçar tanto e não poder fazer nada para ajudar, além de te avisar com calma e esperar que aceite.

— Ele vai me ver no festival. É o suficiente por enquanto.

Os pais assentiram e saíram determinados a deixá-la em paz pelo restante da semana, que sabiam que seria mentalmente cansativa e complicada para ela.

Parecia que o coração de Wednesday sairia pela boca a qualquer momento. Não só pela irritação com a pressão do amigo, mas também por conta do nervosismo. Era a primeira vez em cerca de três ou quatro meses que ela tentaria sair para algo que não fosse a terapia, sendo que a última fora uma experiência nada agradável. Encontrara seus amigos no caminho para o mercado e o cuidado deles —tanto com palavras quanto com o olhar— a deixou tão sufocada que simplesmente surtou e correu até chegar em casa novamente.

Detestava que a considerassem frágil, que a encarassem com pena e que perguntassem sobre como ela se sentia com relação à tudo o que aconteceu. Como se a resposta pudesse ser diferente de um "ainda estou tentando seguir em frente".

Com a caneta em mãos novamente, empenhou-se focar de novo nos estudos, mas parou ao aceitar que o turbilhão de sentimentos estava intenso e incômodo demais para isso. Então, olhou para o relógio digital em cima da mesa, viu que eram, aproximadamente, uma e meia da tarde, e se deu o luxo de descansar.

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Enid tinha acabado de buscar Cherry para caminhar quando começou a pensar sobre a situação em que estava —o que a acalmava na maior parte das vezes, visto que assim conseguia colocar os fatos em ordem.

Mais de uma semana já havia se passado e os pais ainda não sabiam exatamente do seu trabalho. Era possível que sua mãe surtasse e seu pai tivesse que resolver enquanto lidava com o peso da própria frustração pela demora em saber de algo assim da filha, então achava melhor manter isso para si. De qualquer forma, todos os dias —quase no mesmo horário, depois de voltar da escola e cumprir suas obrigações com seus irmãos— ela ia passear com a cachorrinha de sua vizinha, que já tinha começado a esperá-la animadamente na porta principal da casa.

O caminho padrão era de somente dois quarteirões, mas demoravam mais ou menos uma hora porque apreciavam a vista, bebiam água, Enid limpava o que Cherry sujava e até paravam para cumprimentar alguns moradores —principalmente crianças, que faziam carinho em Cherry e às vezes brincavam. Era divertido, mas também cansativo —tanto pelo clima quanto por ser quase toda vez a mesma coisa.

Até que passaram na frente da casa dos Addams.

Da janela da sala de estar, Wednesday viu a garota e, em um impulso causado pela pressão —que ainda corria em suas veias pela situação de mais cedo, levantou e saiu de casa, chamando a atenção da outra menina.

Wednesday travou. Não só porque era a primeira pessoa da sua idade que via em meses, mas por que ela era ainda mais linda do que podia perceber a observando de dentro. Cruzou a varanda com cuidado, depois o gramado e alcançou Enid, que tinha esperado ali por mais que Cherry estivesse puxando a guia, querendo continuar a caminhada. Não só por que Wednesday exalava beleza com aqueles olhos castanhos intensos, seu próprio estilo e cabelo escuro arrumando em tranças, mas também por que, de alguma forma, sentia que deveria.

— Olá! Meu nome é Enid Sinclair, e o seu?

Wednesday não respondeu a princípio. Estava assustada. O que fazia ali, afinal? Qual era exatamente o plano?

— O animal quer continuar —Disse enquanto apontou com o queixo para a cadela.

Enid deu um sorrisinho, assentiu e foi andando. Novamente por impulso, Wednesday a acompanhou. Começaram a caminhar em um silêncio que só fora quebrado quando alcançaram a esquina.

— Posso puxar assunto agora?

— Por que todos os dias você passa na frente da minha casa?

— É um caminho padrão que escolhi pra passear com a Cherry —Respondeu e a outra garota estranhou— A cadela. O nome dela é Cherry.

— E por que o faz tão regularmente? Quero dizer, até no mesmo horário.

— Andou me observando, hm? —Perguntou brincando e Wednesday ficou em silêncio— A minha vizinha me paga pra isso.

— Interessante.

Enid sorriu. Tentou fazer mais uma ou duas perguntas mas quando percebeu que a Addams queria ficar em silêncio seguiram assim até que chegaram na casa da senhora Mallet.

— A Cherry fica por aqui e eu moro na casa ao lado. Quer beber um copo de água? Quem sabe conversar um pouco? —Metralhou informações.

— Agradeço, mas estou cansada. Há tempos não fazia algo assim.

— O que? Caminhar com uma desconhecida?

— Sair de casa, quase no geral. E, em minha defesa, essa foi a primeira vez que agi tão impulsivamente.

— Espero que não esteja arrependida.

— O passeio foi interessante, no geral —Limitou-se a dizer, mas no fundo confessava o
gosto. Bem no fundo.

— Então pretende me acompanhar novamente outro dia?

— Veremos.

Enid assentiu. Cruzou o gramado e a varanda para então ser recebida pela idosa, que de imediato a abraçou e entregou o pagamento do dia.

— Quer entrar e fazer um lanchinho? Acabei de tirar um bolo de laranja delicioso do forno. Pode levar um pedaço para os seus irmãos também se quiser.

Ela estava prestes a recusar, para tentar descobrir mais sobre a Addams, porém quando olhou para trás e notou que não estava mais ali, acabou entrando.

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Olá, seres.

O que acharam?