43.

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Logo que Wednesday acordou, sentiu uma forte dor de cabeça junto com os olhos pesados. Encarou o teto, lembrando com clareza do encontro com Enid mas descobrindo que suas memórias de chegar em casa até o momento atual pareciam estar em um confuso e obstruído time-lapse. Resmungando, encarou a cômoda e viu que ainda era cedo então decidiu voltar a dormir, torcendo para que passasse mais algumas horas em um sono tranquilo.

Porém, novamente, sentiu o cheiro de cloro. E a umidade. As faces turvas expressando julgamento, medo. Como se a culpa fosse sua. Como se pudesse ter feito mais. Parte de Wednesday já não acreditava mais nisso visto que, apesar de poder ter sido facilmente evitado, fora um acidente. Mas a outra —motivada pela falta, resquícios de dor e o fato de que ela havia ido escondida para aquela festa por conta de uma sensação estranha— insistia.

Até então, a cena era familiar, mas ao olhar para o chão notou algo diferente: Enid estava ao lado de Pugsley, tão fria, molhada e sem vida quanto. Wednesday pode sentir o coração se apertando dentro do peito e cada fibra do seu corpo sendo consumida pela mesma dor, só que mais forte e intensa. Por dois motivos ao invés de um.

Dessa vez, ela não correu. Apenas ajoelhou na frente dos dois e chorou.

Em um movimento sutil, como se para sair do pesadelo ela apenas piscasse, a garota de olhos castanhos novamente acordou. Abraçou os joelhos e permitiu-se ficar mais um tempo naquela posição, não querendo reprimir aquele sentimento ruim e trazer mais uma bola de neve para sua avalanche.

Passados alguns minutos, mesmo ainda um tanto atordoada, a menina levantou-se e, por instinto, olhou para a janela, assustando-se ao ver que era tarde pelo Sol brilhante no céu. Após cumprir com a sua higiene, ela desceu a escada.

— O que eu perdi? —Wednesday perguntou ao chegar na sala de estar da sua casa e ver Morticia conversando com a sua terapeuta.

— Eu a chamei aqui por causa do que aconteceu ontem, querida.

— Não precisava. Semana que vem eu ia lá.

— Sei disso, mas fiquei preocupada depois do que a Enid me falou.

A filha suspirou. Ela ainda não sabia de metade.

— Por aqui —Começou a guiar a profissional até a espécie de escritório que costumava estudar, no andar de cima— Fique a vontade —Disse quando chegaram e sentou-se em uma das cadeiras.

— Agradeço. Acredite, também foi uma surpresa pra mim, mas ela estava tão nervosa que achei melhor vir. O que aconteceu? —Questionou enquanto organizava o seu material por ali.

— Nem sei por onde começar. Tá sendo uma semana intensa.

— A preferência é sobre o que você sente, mas que tal ter a Enid como ponto de partida? Você tem facilidade de falar sobre ela.

— Certo. Eu estou bem com a parte sentimental do nosso relacionamento mas ultimamente sinto que tenho que contar algo pra ela. Só que... não consigo.

— É ótimo saber da primeira parte mas aprofunde na segunda.

— Os pesadelos voltaram. Com Pugsley em geral, como antes, mas hoje ela também apareceu. Conviver com aquelas pessoas novamente está sendo difícil.

A mulher anotou.

— Ciúmes. O que sente quando ouve essa palavra agora?

— Eu confio na minha namorada. Não tem
nada a ver com isso.

— Considere a definição da palavra como medo de perder a pessoa amada.

Apenas ao cogitar aquilo, Wednesday arrepiou, sentindo-se péssima. Então, muito se encaixou, fez sentido. Por exemplo o fato dela ficar preocupada toda vez que Enid sumia por muito tempo —o que estava acontecendo com certa frequência pela aproximação do fim do ano letivo— ou a dor em dobro e a fraqueza que sentira no seu último pesadelo.

Caminhar • WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora