Caminhar • Wenclair

6.

Wednesday estava sentada em uma poltrona na varanda, lendo O Mistério da Rua X, quando percebeu Enid chegando. De imediato fechou o livro, deixando em uma pequena mesa por ali mesmo, e aproximou-se da beira do gramado de sua casa. Ao notar a presença da morena, Enid sorriu. Elas ficaram trocaram olhares por alguns segundos, admirando mas também tentando entender seja lá o que sentiam nesses tipos encontros pouco programados durante a semana. Era adrenalina, aumentando a frequência cardíaca, mas também ocitocina, trazendo calma e segurança em partes que sequer conseguiam apontar.

— Vamos caminhar hoje? —Perguntou logo que chegou na frente da casa dos Addams.

— Você não apareceu ontem. Ou foi em um horário diferente do habitual, em que coincidentemente eu estava ocupada —Apontou enquanto andava até ela.

Se Enid a conhecesse mais um pouco, diria que sentiu frustração no seu tom de voz, mas era muito cedo para iludir-se. Era o que ela pensava, e mal sabia que estava errada.

— Então realmente andou me observando? —Questionou e Wednesday deu de ombros suavemente.

— Essa rua normalmente é pacata, o que deixa fácil saber quando alguém passa. Sou tentada pela curiosidade então acabava te vendo pela minha janela —Explicou fazendo a situação parecer um pouco menor do que realmente era.

Como dizer para alguém que praticamente acabou de "conhecer" que a aguardava passar todos os dias por sua casa, simplesmente por querer ter cerca de um minuto de apreciação, mas não entender o motivo?

— Uau! Finalmente respondeu diretamente uma das minhas perguntas!

— Eu sei como o fazer, só prefiro ser desconhecida por mais algum tempo.

Desconhecida o suficiente para não ter abertura de conversar sobre o passado, ela quis dizer, mas isso aguçaria a curiosidade e era o que menos queria no momnto.

— Tudo bem. Prefere ficar em silêncio também?

— Na verdade, eu tenho perguntas. É verdade que tem três irmãos? —Perguntou e Enid assentiu— Como é?

— Nem sempre fácil, mas muito bom. Eles são as coisas mais valiosas da minha vida.

— Entendo completamente —Comentou quase para si de tão baixo que o tom foi usado, mas Enid conseguiu escutar.

— Você também tem irmãos?

— Tive um, mas não vamos falar sobre isso —Respondeu de imediato, evitando começar a pensar demais no assunto.

Enid apenas concordou. Queria saber mais, porém respeitaria o espaço dela. Além disso, tendo paciência agora, a ideia de serem confidentes no futuro não era tão surreal.

— Ontem a minha caçula passou mal. Por isso eu não caminhei com a Cherry.

— Como ela está agora?

— Melhor, mas ainda não cem por cento. Ontem ela teve febre e vomitou, mas hoje só acordou um pouco indisposta.

— Resfriado?

— Não. Só consequências de comer um sanduíche ruim. Acredito que até o final do dia já passou.

— Menos mal.

Dito isso, um silêncio confortável se instaurou. Estavam apenas desfrutando da presença uma da outra enquanto caminhavam lado a lado, apreciando a vista e o clima fresco que a estação do ano providenciara. Não muito tempo depois, elas chegaram ao destino final.

— To gostando da sua companhia, Addams. Faz parecer um pouco menos solitário e obrigatório —Brincou e recebeu, de imediato, um olhar um tanto assustado.

— Como sabe o meu sobrenome?

— Meus pais me contaram que vocês os ajudaram na adaptação à cidade. Posso não saber exatamente qual é o seu primeiro nome, mas sou grata.

— Então você nunca ouviu nada sobre mim?

— Querendo ou não sua família é influente aqui, mas o pouco que ouvi me fez preferir não ir atrás de entender melhor. Não te conhecia o suficiente pra isso. Pode continuar sendo um mistério pra mim por mais algum tempo.

Wednesday sorriu de leve com o tom brincalhão e loira o devolveu, mas abertamente. Em seguida, estendeu a mão para cumprimentá-la. A garota de olhos castanhos encarou aquilo e saiu andando depois de acenar com a cabeça. Assim, Enid permitiu-se ficar ali parada, observando-a sumir do seu campo de visão. Pouco depois que ela virou a esquina, assustou-se ao ouvir uma voz familiar:

— Desde quando vocês são amigas? —Yoko, amiga de Enid, perguntou de repente, chegando por trás dela.

— Pelos céus! O que faz aqui?

— Você anda um pouco afastada do grupo. Queria saber o que tava acontecendo e nada melhor do que pegar no flagra.

— To trabalhando —Disse enquanto balançava a guia de Cherry— Você conhece aquela menina?

— Só de vista e audição. Ela estudava na Nancy Reagan High School, mas mudou pra Nevermore depois do que aconteceu no ano passado.

— Estranho. Estudamos lá e eu nunca a vi pelos corredores. Só ouvi alguns boatos que francamente prefiro esquecer que algum dia existiram.

— Ela tem aula particular em casa. Só pisa na escola pra fazer prova. Mesmo assim, é em uma sala vazia da coordenação e olhe lá.

— Por quê?

— Há muitos rumores, mas um fato inegável é que o irmão dela morreu. Desde então, ninguém nunca mais a viu. Nem mesmo os melhores amigos.

— Você também os conhece?

— Tenho o costume de falar com todo mundo, você sabe. Posso ir atrás deles pra tentar saber um pouco mais se quiser.

— Eu não vou pedir. Faça o que achar melhor.

— Garota esperta. E aí? Qual é o mistério por trás desse trabalho?

— Problemas em casa, nada de novo.

— Aconteceu algo além da tia Esther ser demitida?

— Lucy passou mal ontem porque ela fez um sanduíche estragado pra própria filha então sim, as coisas só estão piorando. To ganhando todo dinheiro possível pra ajudar meu pai a mandá-la pra uma avaliação psicológica logo.

— Caramba, Enid. Eu sinto muito. Tenho como fazer alguma coisa pra ajudar?

— Depende, tá com a tarde livre? Porque eu tenho que ir no mercado.

— E eu faria o que? Olharia seus irmãos?

— Ia pedir pra me ajudar a trazer as bolsas mas isso também serve. Sei que deixei os meninos cuidando da Lucy e ela tá melhorando, mas querendo ou não são crianças. Demandam atenção que eu ultimamente não to conseguindo dar tanta.

— Posso ligar pra minha belíssima namorada e assim temos carona pro mercado e companhia pelo resto do dia, o que acha? Ela é boa com crianças e faz um sorvete caseiro maravilhoso.

— A opção é ótima mas não acho que dar sorvete pra uma criança que mal conseguiu jantar no dia anterior seja a melhor das ideias.

— Div também faz um ótimo pão de queijo. E, qualquer coisa, se ela ficar aguando muito, um pouquinho não faz mal.

Enid ficou receosa em aceitar, mas quando viu a amiga juntar as mãos e fazer um beicinho, deu risada e decidiu ceder.

— Okay, você venceu! Vou entregar a Cherry, buscar o dinheiro que meu pai deixou no meu quarto e então vamos no mercado. Se importa de ir na frente e ver se eles tão bem?

— Que nada! Pode deixar comigo. Só vou ligar pra Div e já entro.

— Gratidão por tudo, Yo. De verdade. Tá salvando a minha pele e talvez até aumente um pouco os ânimos lá em casa.

— Eu nem ia me gabar nem nada mas, já que você falou, de nada. Sei que sou incrível —Exibiu-se enquanto jogava seu cabelo aos ventos e Enid deu risada.

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Olá, seres. Atualização repentina pois perdi o sono.

O que acharam?