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ɪꜱꜱᴏ ᴀᴄᴀʙᴀ ʜᴏᴊᴇ...

ELLIE HARPER

Acordo de manhã cedo, já no dia seguinte.
Tenho algumas horas de antecedência, então posso fazer tudo com calma.

Passo pelo corpo adormecido de Joe, que me recuso a chamar de pai, jogado no sofá.
Pego um cubo de gelo no freezer e o embrulho em um paninho, pressionando sobre o olho inchado e roxo.
Ambos os olhos estão inchados de tanto chorar, porém um está pior, onde levei um soco.

Tomo um banho sem pressa alguma.
Ainda tenho esperança que a água quente lave minha mente.
Se eu pudesse simplesmente esquecer tudo, até mesmo meu nome, talvez aguentar tudo isso pudesse ser mais fácil.

Escovo os dentes e me visto. Está calor, mas dou preferência à uma blusa de mangas longas para esconder os novos hematomas.

É constrangedor ter tantas marcas e cicatrizes.
Meu corpo demonstra tudo isso. E é horrendo.
Algumas vezes sinto até nojo quando olho essas marcas no espelho.

Me sento em frente ao espelho, já com o cabelo penteado e observo a escrita em meu diário aberto em cima da cabeceira.
Me aproximo e leio.

Flashback

Dia 18/05/95, quinta feira.
06:14am

Eu estava sentada na mesa da cozinha estudando, tinha uma prova difícil para fazer e não havia entendido nada.

Me esqueci de lavar as roupas do pai, mamãe está doente e não consegue levantar da cama por muito tempo. Está ardendo em febre!

Ele acordou e seu uniforme estava sujo no cesto de roupas.
Ele ficou furioso e quebrou uma garrafa de vidro nas minhas costas.
Está sangrando e não para de arder.

Espero que mamãe melhore logo.
Ele está furioso comigo, e toda vez que faço algo que não goste, estou apanhando o dobro.

Nunca mais vou esquecer de lavar as roupas do pai.

Flashback off

Arranco essas páginas e as amasso, jogando no chão.
Quase como um colapso.

Eu tinha quatorze anos quando escrevi isso.
Era uma criança, covarde e vulnerável.

Essas cicatrizes... A garrafa de vidro foi a mais dolorosa, sem dúvidas. Além do baque do vidro batendo contra minha lombar, a força foi tanta que a garrafa quebrou e me cortou.
Isso gerou a minha maior cicatriz.

Até mesmo pensava que a culpa era minha. Por não fazer as coisas do jeito certo, por ser tão "estúpida" e "burra", como ele dizia.

E agora, aos vinte e quatro, ainda sou essa criança.
Qual é o meu problema?

Por que eu não consigo sair disso?
Eu devia estar bem longe dessa casa.
Mas não, eu fico aqui, ao lado desse homem repugnante.

Passo a mão pelos cabelos, com um suspiro exausto e vou novamente até o espelho.
Pego maquiagens. Base, corretivo... Qualquer coisa que possa esconder essas marcas e me deixar com um ar saudável. 

Faço um bom uso da base, espalhado de forma uniforme por todo meu rosto.
Preciso caprichar no corretivo, para que o olho roxo fique bem disfarçado. Acrescento blush, rímel e perfume.

Coloco a alça de minha bolsa sob os ombros e me apresso para o trabalho.

Minha mala está pronta, no canto do quarto.
De hoje esse canalha não passa!

Ouço um rosnado do lado de fora e me aproximo da janela, espiando pela fresta entre as cortinas. 
Deve ser o cachorro de algum vizinho que escapou do quintal. 

—— Mãe... —— sussurro, me aproximando. Ela está fritando bacons na frigideira.

Joe ainda está apagado no sofá, mas logo precisará se levantar para ir ao serviço.
É nossa chance.

—— Arrume suas coisas. —— digo, com firmeza —— Hoje à noite vamos embora.

Ela sequer protestou, apenas assentiu. Também tinha ferimentos em seu rosto, principalmente no lábio, onde ele mordeu.

—— Fiz panquecas para você. —— ela oferece um sorriso pequeno, com os olhos úmidos e avermelhados —— Estão no pote em cima da mesa. Leve para comer.

—— Obrigada. —— deposito um beijo em sua bochecha —— Isso acaba hoje.

Pego o pequeno pote com panquecas e mel; um garfo embrulhado em guardanapo e os guardo na bolsa.

—— Até mais tarde.

(...)

—— Bom dia, Kay! —— sorrio, assim que entro na loja.
—— Bom dia, Ellie! Que bom que chegou. Preciso muito de ajuda!

—— Claro... —— deixo a bolsa pendurada no suporte de funcionários e vou até ela —— Diga.

—— A chefe está furiosa! Temos que renovar todos os conjuntos dos manequins! Além das prateleiras, claro... Chegaram peças novas. As mais antiguinhas que não venderam bem, vou colocar na ala de promoção.

—— Certo... Com que parte você quer ficar?
—— Posso organizar as prateleiras. E já que você tem bom gosto, pode renovar os conjuntos dos manequins. —— ela sugere, com um sorriso animado.

—— Tudo bem. Eu cuido dos manequins, relaxa!

—— Você precisa ver! Ela está furiosa!
—— E quando não está, Kay? —— pergunto, com uma risadinha. Ela levanta as sobrancelhas e assente, segurando a gargalhada.
—— Pois é... Mas vamos lá! Mão na massa, que temos muito trabalho a fazer!

Kay é minha colega de trabalho.
Não somos exatamente amigas, porque só mantemos contato durante o horário de expediente. Mas nos damos super bem, ela é divertida.

Mais um hoje!

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Mais um hoje!

𝙃𝙪𝙣𝙩𝙚𝙧𝙨 - 𝘿𝙚𝙖𝙣 𝙒𝙞𝙣𝙘𝙝𝙚𝙨𝙩𝙚𝙧Onde histórias criam vida. Descubra agora