Eu me mudei para Mônaco permanentemente duas semanas após a última corrida da temporada. Charles quis curtir as férias tão merecidas em grande estilo, então viajamos enquanto o apartamento recém-adquirido era preparado para a mudança. Foi de lá, enquanto assistia a corrida do meu próprio camarote, que eu senti a bolsa estourar.
Leclerc foi pai presente em toda a gravidez. Acompanhou consultas, exames, escolheu a mobília e decoração comigo e até trocou de carro, escolhendo um modelo que fosse mais familiar e menos esportivo. Quando eu liguei, ao fim da corrida, para Toto – pedindo que desse um jeito de encontrar Charles no meio da confusão –, ele abandonou o pódio e correu até mim, a tempo de colocar as malas no carro e me levar para o hospital.
As meninas nasceram saudáveis, lindas e perfeitas. Minha família tentou uma reaproximação depois do nascimento mas, pelo bem delas, escolhi manter distância de toda aquela toxicidade. Aos quatro meses, nós começamos a viajar para ver Leclerc em algumas corridas. O reencontro com minha mãe foi inevitável, mas a Júlia de antes não era a mãe leoa que eu me tornei. Mesmo que o momento tivesse sido amigável, não havia a menor chance de colocar minhas bebês em risco.
Meu marido – nós tínhamos já completado um ano de casados e eu ainda não me acostumara a usar o termo – me apoiava em tudo e, de quebra, me emprestava a própria mãe quando eu precisava de mais do que ele podia me fornecer. Charles dava banhos, trocava fraldas, brincava e ninava. Quando ele estava em casa, eu quase precisava brigar para ter minhas filhas nos meus braços.
Os buquês continuaram. Claro que eu não viajei com elas enquanto as vacinas básicas estavam pendentes, então passamos alguns dias separados, visto que elas nasceram bem no meio da temporada. Mas eles triplicaram. Em vez de apenas um buquê grande, ele mandava também dois menores, adereçados às meninas, com os mesmos cartões carinhosos que eu recebia.
Uma vez que elas passaram a frequentar os circuitos, Charles se transformou no pai mais orgulhoso do universo. Ostentava as duas por todo lugar, incluindo entrevistas. Eu o vi derreter quando, de surpresa, cheguei entre duas sessões de treinos livres com as duas vestindo macacões iguais ao dele, o número 16 enorme na frente. Claro que, para implicar, eu também coloquei o macacão da Mercedes nelas eventualmente.
Eu sentia falta daquele cenário, se fosse ser sincera. Mas, mais ainda, sentia falta de Leclerc o tempo inteiro colado em mim. A saudade alimentava o relacionamento, claro, mas eu passei longos meses dormindo na mesma cama que ele toda santa noite, sendo mimada constantemente pelo homem que me fez uma mulher completa. Eu tinha ficado mal acostumada.
A câmera disparou, nós dois deixamos nossas posições na frente do carro. Meu leite devia ter algo muito bom, porque as gêmeas, com pouco mais de seis meses, estavam cada vez mais difíceis de aguentar por muito tempo nos braços. Eu encaixei a primeira no canguru duplo enquanto Leclerc me ajudava com a segunda.
Nossa família estava perfeitamente retratada naquelas fotos. Tudo era novidade para as crianças, motivo de diversão, o que arrancou um sorrisão das duas quando nos arrumamos na frente do SF24 com o número 16. Ciumento que era, Carlos apareceu a tempo suficiente de pedir uma foto similar, mas com o seu carro e as suas sobrinhas. Homens...
– Por último, um beijo de boa sorte pro papai! – Charles chegou perto de onde eu estava sentada e apertou os lábios nas bochechas de Anne e, depois, Marie.
– Elas vão dar um beijo de boa sorte pro titio George e pro titio Lewis também, não vão? – Eu provoquei, mas Leclerc já estava na minha altura, o beijo em mim dessa vez. – Vou até a garagem falar com os dois antes de vocês colocarem os carros nas pistas. Fico alternando entre os dois boxes durante a corrida.
– Você tá gostando de acompanhar com a Ferrari, né? Quer se mudar pra cá de vez com o Lewis no ano que vem?
– Não exagera, idiota.
Ele riu e me beijou de novo.
– Tá bem, eu te vejo daqui a pouco. Te amo, e amo vocês duas.
-- Nós também te amamos. – Eu disse antes de mais um beijo. – Boa corrida, papai.
Minha coluna já estava à prova de balas e eu estava craque. O grand prix de Abu Dhabi no final de 2024 deveria marcar minha volta ao trabalho, ao fim da minha licença maternidade, mas era a última corrida do ano, então eu estava dispensada. Mesmo assim, eu fui até o box da Mercedes antes da corrida.
Anne era mais parecia comigo, mais séria e contida. Marie era mais parecia com Charles, brincalhona e sorridente para todos. Não era a primeira vez delas no meio de uma corrida, no entanto, e as duas pareciam ter nascido ali porque não só arrancavam sorrisos de todos por onde passavam como se sentiam em casa naquele ambiente.
– Olha só quem veio ver o melhor piloto que esse mundo já viu! – George gritou quando me viu chegar perto.
– Você tá certo. – Toto implicou, sentado em seu lugar de sempre. – Elas vieram me ver.
Eu revirei os olhos.
– O ego de vocês não cabe aqui, sério.
Lewis chegou pela minha direita, já apertando as bochechas das meninas e fazendo sons tão infantis que já estavam ultrapassados para elas. Eu não podia deixar de rir da cena.
– Qual a previsão pra hoje?
– Jogar o Verstappen pra fora da pista, como sempre. – Russell deu de ombros. – Se der pra vencer, é a segunda prioridade.
– Nada de jogar ninguém pra fora da pista. – Seu engenheiro protestou.
Eu sempre defendi que Charles seria um piloto incrível com um carro decente, mas não previ o quanto. Cada ultrapassagem necessária foi um show à parte. Embora eu estivesse um pouco irritada porque meu melhor amigo pegou o segundo lugar depois de uma briga justa e acirrada pela ponta, era só mais uma forma de lembrar que aquele era o único jeito de um circuito quebrar o meu coração. Anne e Marie eram a maior prova do quanto eu era grata por Leclerc ter insistido tanto naqueles buquês. Dentro das pistas, nós continuaríamos nos atracando enquanto fôssemos de equipes diferentes. Fora das pistas, eu não podia ter desejado uma vida melhor.
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Heartbreak Circuit
FanfictionQuando o asfalto fervilha com a adrenalina das corridas, Julia, gerente de mídias sociais da Mercedes, e Charles, piloto da Ferrari, aceleram em direção a um romance cheio de curvas perigosas. Entre o rugir dos motores e os segredos dos bastidores...