39. Eu sei...

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Eu aguardava Henry sentada no sofá com Bob em meu colo. Meu pai tentava me acalmar enquanto eu não conseguia parar de chorar com o que aconteceria logo mais.

Eu não estava preparada para acordar todos os dias e ver que ele não estava ao meu lado. Um dos meus melhores amigos que sem saber, já me salvou de muita coisa. Mas mesmo com essa dor insuportável assolando o meu peito, eu sabia que o que eu estava fazendo era o melhor para ele, mesmo que não fosse o melhor para mim.

Henry chegou dez minutos antes do horário que marcamos. Ele ficou um pouco sem jeito quando o meu pai o atendeu e o encarou por alguns segundo antes de sorrir. Dando a ele a liberdade que precisava para entrar.

— Oi. — Henry se sentou ao meu lado com um sorriso fraco no rosto. Ele levou a mão ao focinho do cachorro e ficamos surpresos quando ele abanou o rabo bem devagar. Eu abri um sorriso enquanto ainda soluçava. — Acho que mesmo nesse estado, ele ainda conhece os pais. — O menino abriu um sorriso quando eu assenti com a cabeça. Ele tomou Bob de meus braços, o colocando em uma posição confortável.

— Eu te chamei pois acho importante que esteja nesse momento. — Suspirei, pegando uma garrafa de água que meu pai me ofereceu. — Achei que para Bob seria melhor ter suas pessoas favoritas nesse seu último momento. — Henry assentiu, acariciando os pelos do cachorro.

(...)

Liguei o carro enquanto Henry não parava de falar que eu devia deixá-lo dirigir pelo fato de estar chorando sem parar.

— Eu estou enxergando perfeitamente! — Eu disse ao vê-lo arquear a sobrancelha.

— Eu estou vendo. — Bufei.

— É como dirigir em um dia chuvoso. — Falei, tentando justificar.

— Tão teimosa. — Balançou a cabeça para os lados. — Me deixa dirigir antes que você capote esse carro, amor.

Eu senti uma sensação de ansiedade revirar o meu estômago ao ouvi-lo me chamar de amor. Talvez nem tenha notado pelo costume.

— Você foi reprovado cinco vezes na auto-escola. Eu dirijo melhor! — Debati, o vendo me lançar um olhar de repreensão.

— Pelo menos eu nunca bati carro porque estava vendo anime enquanto dirigia! — Ele rebateu, com um sorriso.

Tá legal, ele tinha um ponto. Mas eu tinha acabado de receber a minha carteira, não sabia que o trânsito requeria toda a minha atenção dessa forma.

— Eu dirijo e ponto final. — O encarei, o vendo abrir um sorriso de canto.

— Teimosa. — Murmurou.

— O que disse? — Franzi o cenho.

— Eu não disse nada. — O garoto virou o rosto para o outro, com seu sorriso ainda no rosto.

— Eu ouvi você dizer alguma coisa. — Parei no sinal, me virando para ele.

— Você tá ouvindo coisa. — Deu de ombros.

— Engraçadinho. — Espremi meus olhos, voltando minha atenção para o volante.

— Teimosinha.

— Engraçadinho.

— birrenta.

— Palhaço.

— Cabeçuda.

— Orelhudo.

— Tinhosa. — Eu o encarei, vendo que não tinha mais nenhum adjetivo para rebate-lo. Ele sorriu, vitorioso.

Aquele momento aliviou de alguma forma a tensão que antes estava em meu corpo. E eu tinha a certeza que o motivo disso era sua presença. Henry ainda tinha o poder de afastar as coisas ruins da minha mente, ele ainda conseguia me fazer sorrir em meio aos problemas.

Era uma pena que não estejamos mais juntos.

Eu estacionei o carro no estacionamento da clínica. Henry abriu a porta e saiu com o cachorro em mãos. Tranquei o carro e respirei fundo antes de segui-lo até a porta principal.

Aguardamos por alguns minutos quando a mesma recepcionista nos permitiu entrar no consultório.

Eu estava nervosa demais quando me levantei e percebi que andar havia se tornado uma tarefa mais difícil que o normal. Notei que respirar se tornou um ato pesado e meus olhos estavam tão embaçados que era difícil enxergar. Henry, percebendo o meu pavor, endireitou o cachorro em um dos seus braços e com o outro, ele tomou a minha mão, me impulsionando a seguir.

Quando ele tocou a palma da minha mão, encarou os meus olhos pois percebeu que a aliança ainda estava em meu dedo. Sim, eu não tirei. Eu não conseguia tirar.

— Olá. Boa tarde Luna e Henry. —  A veterinária abriu um sorriso reconfortante. — Eu sei que a decisão que tomaram é bem difícil. Compreendo que estejam extremamente abatidos nesse momento, é normal. A perda de um animal dói tanto quanto a de seres humanos. Eles são parte da família e possuem um lugar especial dentro de nossos corações. E ver que escolheram não fazê-lo sofrer, é lindo. Pois a maior prova de amor que existe é você escolher sofrer ao invés de permitir que o outro sofra. — A mulher assinava algumas coisas com uma expressão neutra. Ela parecia sentir exatamente o que sentimos. — Uma vez eu precisei tomar a mesma decisão que vocês. Me doeu muito, mas eu não aguentaria vê-lo sofrer sabendo que eu poderia aliviar a sua dor. Então assim o fiz. — Um sorriso triste se instalou em seus lábios, enquanto eu soluçava por segurar as insistentes gotas de água. — São ótimos pais, meus parabéns. — Ela nos entregou um documento com um sorriso que dizia "estão fazendo a coisa certa". — Eu desejo que possam ficar bem.

Ela chamou um ajudante para carregar o cachorro e pediu para que fôssemos aguardar na recepção até que o processo fosse realizado.

Eu não parava de chorar enquanto Henry se mantinha firme ao meu lado. O menino passou os seus braços envolta de meu ombro e deitou a minha cabeça próxima ao seu pescoço. Ele acariciava meu cabelo me permitindo chorar.

— Eu vou sentir tanta falta dele. — Eu dizia em meios aos soluços. As pessoas olhavam para nós com uma expressão de compaixão. — Henry, está doendo tanto deixá-lo ir. — Abracei o meu peito, na tentativa de arrancar aquela dor de mim.

— Eu sei... — Disse em um sussurro. — Eu sei...

Ele se manteve ali, me permitindo desmoronar. Permitindo que eu inundasse sua blusa com todas aquelas lágrimas insistentes. Ele me consolou quando por diversas vezes eu evitei o seu consolo. Por que evitei tanto os braços nos quais são capazes de afastar essa agonia de mim?

Toquei o seu peito, notando que algo estava pendurado. Algo circular bem fino, parecido com um anel.

Ele havia pendurado a aliança em um cordão em seu pescoço.

Ele, assim como eu, não teve coragem de se livrar de nada que lembrasse o nosso amor.

O Amor NÃO Pode Curar IIOnde histórias criam vida. Descubra agora