A Alameda Real era uma rua arborizada, com calçamento de pedras e cercada de casas elegantes. Em uma ponta da rua ficava o Palácio da Capital. Da outra ficava o Cemitério Real. Era ali o local final de descanso de todos os membros da família real de Pratória dos últimos trezentos anos.
Era por ali que, naquela tarde cinza, uma procissão atravessava em silêncio, acompanhando a carruagem que carregava o corpo de Rei Gavin Pratoris, o primeiro de seu nome.
Muitas religiões eram praticadas em Pratória, mas a principal, e que também era a adotada pela realeza, era a Tétrade, a crença de que o universo era dominado por quatro deuses. Nenhum deles era inerentemente ruim ou bom, já que todos representavam elementos do mundo e da experiência humana de forma abrangente.
Dois deuses dominavam o Reino Material, enquanto dois dominavam o Reino Etéreo.
Anon era o deus de toda matéria inanimada. Pedra, metal, fogo, ar, água. Tudo aquilo que é essencial para a vida, mas que não possui vida por si só.
Latícia representava tudo aquilo que é vivo. Animais, plantas. Tudo que é orgânico, que nasce, se reproduz e morre.
Já no Reino Etéreo, Fedran era o deus dos sentimentos. Ele representava a raiva, o amor, a tristeza e todas as experiências subjetivas da existência humana.
Tihia, em contraponto, representava a razão, o cálculo, tudo aquilo que é pensado, estudado, sabido como certeza. Tudo aquilo que simplesmente é, sem deixar espaço para dúvidas e suposições.
Alguns conceitos, como morte, guerra e família eram representados por mais de um deus e, às vezes, por todos eles. Por isso, no templo do Cemitério Real, havia uma estátua de cada um dos deuses, cada uma em uma ponta.
Tihia representando a certeza da morte. Fedran representando o luto, a dor da perda. Latícia representava o fim da vida em si, e Agnon representava o fogo que transformaria aquele corpo em cinzas e o túmulo de pedra onde elas seriam enterradas.
Apenas uma dúzia de pessoas acompanhou o desfile fúnebre do rei. Centenas de guardas haviam cercado as ruas adjacentes para impedir a aproximação da população, muito diferente do que era a tradição. Naquela tarde, nem mesmo os habitantes das casas que margeavam a rua podiam assistir a procissão pelas janelas, sob uma ordem estrita emitida por Capitã Alma Garri, chefe da Guarda do Palácio Real. Tudo para garantir que Arian pudesse se despedir do pai sem o risco de outra tentativa de assassinato.
Brethen não saiu de perto dele por um segundo sequer desde o momento que ele acordou naquela manhã. Agora, enquanto caminhava junto dele, sempre um passo atrás, com uma mão apoiada no cabo da espada, ela tentava não olhar para Fausto, o leal Campeão que esteve ao lado de Gavin até o momento da morte.
Brethen só conseguia imaginar aquela dor, não só por ter fracassado em protegê-lo, mas pela morte de um amigo querido. Fausto e Gavin eram próximos, apesar de não demonstrarem isso em público, diferente de como Brethen e Arian agiam. A dor era visível nos ombros do homem que caminhava junto da carruagem com o corpo do rei, seguindo o dever de estar ao lado dele até o último segundo possível.
Brethen também observou Margarete, a rainha mãe, que seguia ao lado de Arian com a postura ereta, trajando o luto com elegância, apesar da idade avançada. Margo, como era chamada pelas pessoas próximas, raramente participava de eventos sociais desde a morte do marido, Rei Salvian, há vinte anos.
Um pouco atrás, seguiam mais três carruagens, transportando os corpos dos outros cinco mortos no brutal ataque. Entre as vítimas, havia dois guardas, um criado do palácio e dois convidados do baile, incluindo Silas. Amina, de cabeça baixa, caminhava ao lado da carruagem que carregava o corpo do marido. Brethen desejava poder se dividir em duas para estar ao lado tanto de Arian quanto de Amina naquele momento difícil. Arture, por sua vez, caminhava ao lado da amiga, ambos de cabeça baixa e com os braços entrelaçados, compartilhando o peso silencioso do luto.
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A Maré Sombria
FantasiaBrethen não tem medo de nada. Ou, ao menos, de muito pouco. Treinada desde a adolescência em uma academia de guerreiros e assassinos, ela foi selecionada a dedo pelo príncipe Arian para ser sua Campeã. A partir daquele dia, Brethen se tornou a somb...