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A manhã na emergência fora incrivelmente calma. Desde que a vacinação começara, os casos de covid têm se tornado cada vez mais fáceis para serem tratados, havia pouquíssimos pacientes que necessitavam de intubação e oxigenação. Assim, ficaram muitos ventiladores disponíveis para pessoas que precisavam bastante.

Depois do almoço, doutor Sadala foi chamado por Bulma na emergência para atender uma mulher que aparentemente tinha tido o braço deslocado e hematomas visíveis. Ele a encaminhou para uma sala de tratamento.

— Ruth, certo? Sou o doutor Sadala. — Ele começou a checar a temperatura, a pressão arterial e a saturação dela.

— Como vai, doutor?

Ruth era uma moça tão branca quanto ou talvez mais que Chichi, cabelos loiros e olhos bem castanhos. Ela era alta e seu corpo era bem magro. Devido a sua pele tão pálida, os hematomas, as cicatrizes e os arranhões ficavam bem destacados em seu corpo.

— Eu que devo perguntar. O que aconteceu?

— Eu caí?!

— Você está me perguntando? — ele perguntou enquanto analisava o braço dela.

— Não, eu realmente caí. Estava indo ao mercado e caí no meio fio, me assustei com o táxi.

— E essas cicatrizes antigas? — Vegeta insistia, enquanto aplicava um remédio nela para a aliviar a dor.

— Eu costumava me meter em brigas na faculdade.

— Você tem certeza? Tem certeza de que foi isso?

— Sim, claro.

— Certo. Eu te apliquei um medicamento para aliviar a dor, e você vai precisar levar uns pontos aqui na testa. Esse corte tá bem fundo. — Ele buscou a agulha e a linha cirúrgica e se sentou na frente dela. Limpou o local e começou a suturar. Ruth gemeu de dor e ele resolveu puxar algum assunto para distrai-la. — Então, Ruth, que curso você faz?

— Ahn... eu cursava gestão financeira. Eu adorava, adoro números.

— Por que parou então?

— Meu namorado. Ele disse que eu poderia arranjar um curso melhor.

— Perdão?

— Ele fala que sou muito inteligente e que eu mereço um curso que esteja ao meu nível. Ele só quer o meu melhor. Eu ainda tô procurando um curso que esteja no meu “nível” — ela fez aspas com os dedos — Nada pra ele é o suficiente. Nós moramos juntos.

— Eu já acabei aqui. — Vegeta fez um curativo por cima da sutura. — Eu vou chamar a ortopedia para colocar o gesso em você.

— Vai demorar muito? Meu namorado não sabe que eu estou aqui.

— Pode demorar ou não. Não tenho certeza. Você pode ligar pra ele.

— Ah, eu não tenho celular.

— Pode pedir pra enfermeira ligar.

— Não, não. Eu posso esperar.

— Eu volto logo.

Ele se retirou da sala de tratamento e anotou toda ficha de Ruth no tablet e entregou para Bulma com todo ódio que tinha.

— Bulma, eu acho que a minha paciente sofre violência doméstica.

— Como?

— Ela está cheia de hematomas e cicatrizes antigas, vários cortes, um braço quebrado e eu tive de fazer uma sutura na testa.

— E o que ela disse?

— Que se assustou e caiu.

— Tipíco.

— Ela não tem celular, disse que o namorado a tirou da faculdade. Acho que ela precisa de ajuda, pode resolver isso pra mim?

— Eu vou conversar com ela.

— Obrigado.


Enquanto isso em outra sala de tratamento, Goku atendia uma menininha de 7 anos que havia chegado de surpresa no hospital e não tinha nenhum responsável com ela. Ela tinha machucado a perna. Nada grave, Goku fez uma pequena sutura, mas estava com ela tentando decifrar o que tinha acontecido com ela.

Ayla era uma menininha negra de cabelos crespos muito sorridente. Adorava conversar sobre brinquedos, adesivos e frutas e pareceu ter se apegado bastante ao Goku.

— Eu gosto muito de adesivos com cheiro, Ayla! De morango são os meus preferidos.

— Os meus também.

— Ayla, me diga, o que aconteceu com sua perna?

— Eu tava correndo e caí. Daí eu queria vir de ambulância, igualzinho nos desenhos que vi.

— Mas você não veio de ambulância.

— Sim, eu vim andando, doeu muito!

— Eu imagino, querida. Mas onde estão seus pais?

— Eu não sei! — Ela respondia alegre.

— Como não sabe?

—  Eu moro numa casa grande com outras crianças.

— E tem adultos? — Ele parecia confuso.

— Tem sim! Tem a tia Lucy que faz a comida, a tia Lila que limpa a casa e a tia Leila.

— Uma casa bem grande? Um orfanato? — raciocinou rapidamente.

— Eu acho que esse é o nome! Mas eu não gosto de ficar lá.

— Não? Por quê? As tias não são legais?

— São, mas eu queria ter uma família iguais aos desenhos!

— Cada família é única, Ayla. — Ele tentou conforta-la.

— Você tem filhos?

— Tenho, eu tenho dois filhos.

— Que legal! Eles têm o meu tamanho?

— Não, ainda são bem novinhos. Um tem 3 anos e o outro só tem 1 ano.

— Eu também já tive 3 anos, sabia? Você também!

— Uau, como você é inteligente, Ayla! — Ele sorriu carinhosamente pra ela. — Olha, eu preciso ir ali rapidinho, mas eu vou voltar num minuto. Eu vou pedir a minha amiga para ficar com você enquanto isso, tá bom?

— Tá bom!

Goku se retirou da sala de tratamento meio estressado. Procurou por Bulma e não a encontrou. Abordou a enfermeira Ayla.

— Você sabe onde tá a Bulma?

— Ela tá ajudando o Vegeta com uma paciente.

— Certo. Ayla, tá vendo aquela menina na sala de tratamento 3? O nome dela também é Ayla e eu acho que ela fugiu do orfanato. Você fica com ela enquanto eu vou procurar saber qual é o orfanato que ela mora.

— Está bem. — Ela bufou e Goku se viu confuso.



Depois da ortopedia colocar gesso no braço de Ruth, Vegeta voltou para vê-la, depois de conversar com Bulma. Ela acabou por ligar para Raditz para ver o que podia ser feito, e o policial lhe disse que Ruth precisaria admitir que foi agredida e ter vontade de denunciar o namorado, daí ele poderia ir ao hospital busca-la.

— Ruth, como está o braço e a sutura?

— Eu estou bem agora. Não estou sentindo dor.

— Certo. Eu tenho aqui a papelada da alta, mas eu queria conversar com você antes que fosse. — Ele a encarou com um olhar raro, que era o de compaixão.
O silêncio se fez presente por alguns minutos, até que Ruth começou a chorar descontroladamente. Doutor Sadala a consolou e lhe deu um copo de água. Quando estava mais calma e capaz de falar, ela lhe disse:

— Sabe, ele não usa toda a força dele. Ele cuida de mim em casa para eu não vir ao hospital, é atencioso, me dá flores depois de... sabe, ele não é agressivo sempre.

— Ele pode ser agressivo por 5 minutos e matar você.

Ruth chorava silenciosamente.

— Você não tem que passar por isso, Ruth. Você é jovem, tem toda uma vida pela frente. Merece alguém que te respeite, que cuide de você, que te dê flores sem estar arrependido por ter te espancado. Ruth, esse não é o amor. Quando for amor de verdade, você vai sentir no coração, não na pele. — Vegeta deixou toda sua grosseria de lado em favor de Ruth. Ela poderia não saber, mas aquilo tinha significado muito.

— Eu não sei o que fazer.

— Pode começar o denunciando e pedindo uma medida protetiva. E depois, indo fazer o que você gosta. Eu tenho um amigo, ele é policial. Ele pode vir aqui conversar com você, se quiser. O nome dele é Raditz. Você gostaria que eu o chamasse?

Ela respirou fundo e concordou com a cabeça.




Após algumas horas, Vegeta observava Raditz levar Ruth para fora da emergência. Goku chegou logo em seguida.

— Aquele era o Raditz? Perdi alguma coisa?

— Minha paciente precisava fazer uma denúncia. Raditz veio buscar ela e leva-la para a delegacia.

— Espero que fique tudo bem com ela.

— Eu também. Como está sua paciente? A garotinha?

— Tô indo ver ela agora. Eu estava procurando o orfanato que ela mora. Deu trabalho, tive que pesquisar muito, fazer várias ligações... mas enfim, eu consegui. Vou levar ela até lá, já tá quase na hora de eu sair.

— Boa sorte.

Goku agradeceu e caminhou para a sala de tratamento onde a deixou, e não a encontrou lá. Procurou pela enfermeira Ayla, que estava na sala de espera conversando intimamente com um rapaz.

— Ayla, onde está a garota?

— Que garota? — Ela estava ligeiramente confusa.

— A garotinha que mandei você tomar conta. — Goku estava incomumente bravo.

— Eu a deixei na sala de tratamento um minuto atrás.

— Ah, é mesmo? Curioso, me diga o motivo dela não estar lá?

— Como?

— Puta que pariu, eu te dei a porra de um trabalho, Ayla. Ficar de olho numa garotinha!

Ele se exaltou e saiu do hospital, procurando se ela ainda estava por perto, e por sorte, estava! Ayla estava um pouco distante da entrada do hospital e um homem estava andando de mãos dadas com ela. Ele percebeu uma van estacionada a poucos metros dali.
Goku correu como nunca em direção a Ayla. Quando o homem percebeu, largou a mão da menina e correu para a van, sumindo de vista. Doutor Son pegou Ayla no colo e enquanto a carregava para dentro do hospital, ela começou a tagarelar.

— Quem era aquele, Ayla?

— É o moço que conversa comigo na porta da escola e do orfanato. Ele me disse que tinha muitos brinquedos e ursos de pelúcia na van dele. Ele disse que tinha um ornitorrinco rosa!

— Ayla, por Deus, ele fala com outras crianças também?

— Não, só comigo! Disse que só quer ser meu amigo!

Goku suspirou enquanto na sua cabeça passava um turbilhão de coisas que ele teria de fazer.


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