Com o tempo, a gente perde mesmo a noção do que estamos fazendo, por qual motivo, onde e quando tudo teve seu devido início. É isso que acontece quando tentamos atingir a perfeição em um mundo injusto, sua identidade some.
Meu nome é Enid. Enid Sinclair, para ser mais exata. Você provavelmente quer saber como tudo começou, mas antes vou começar por mim.
Em 2019, eu era só uma pirralha criada em uma cidade minúscula, cercada por pessoas religiosas, conservadoras e sufocantes, na qual não podia ser eu mesma. Cheia de sonhos e sem um centavo no bolso, recém-aprovada em uma faculdade da cidade grande, aqui estou eu. Morando com meus três fiéis companheiros de infância (também aprovados) dividindo um apartamento em novos ares, soava no mínimo como um paraíso. Eu, Yoko, Ajax e Eugene (nosso caçula, como costumamos o chamar) bebemos e comemos diversas pizzas para comemorar o começo de um verdadeiro sonho, era o melhor momento de nossas vidas.
Mas, bem, cinco anos se passam muito rápido. Já era começo de 2024, eu já havia me formado em...
Moda.
Sim, me formei em moda. Talvez, só talvez, eu tenha pedido para ficar pobre pelo resto da minha vida. Mas estamos há alguns quilômetros de New York, quem sabe, com muita dedicação... e sorte, eu consiga.
Ah, vai se foder, acho que nem eu acredito mais nisso.
Uma vez formada, eu esperava, ao menos, conseguir trabalhar em uma empresa mediana. Mas a única coisa que consegui foi um diploma e lidar com pessoas ignorantes de nariz em pé da biblioteca em que trabalho, recebendo um salário meia boca.
O período da minha faculdade foi ótimo, estudando diversos tipos de tecidos, paleta de cores, visões críticas e mais um bilhão de coisas. Eu amava porque é o que realmente gosto. Certo tempo, fui a melhor aluna da turma, com as ideias mais chamativas e criativas. Depois, uma das melhores da faculdade, mas não o suficiente.
Nunca consigo ser o suficiente.
Não adianta eu ter sido a melhor, se continuava me faltando oportunidade. Não adianta eu ter tanta coisa para mostrar, se ninguém me indicava para apresentá-las. Quando se é jovem, acreditamos que podemos mover montanhas e, eu queria, sou persistente. Mas não é bem assim que funciona e agora eu sei.
A verdade que os livros não dizem é que:
Se você não trabalha nos negócios do seu pai, não é ninguém.
Se você não nasce com dinheiro na porra do bolso, não é ninguém.
Se você não tem um coleguinha da família trabalhando em uma das melhores empresas de moda do país para te indicar, você não é ninguém!
E digo essa última frase porque foi o que uma pessoa da minha turma conseguiu e ela nem sequer queria seguir esse rumo! Fez por pura obrigação.
Enquanto a mim, que tem esse sonho desde criança quando fazia roupas para as minhas próprias bonecas e via comerciais e programas de estilistas, estou passando os meus dias em uma biblioteca empoeirada. Entende que o que eu sinto é pura indignação e revolta? Não desejo mal nenhum a essa pessoa da minha turma, mas é inegável dizer que carne boa só cai em prato de vegano.
Continue, vai melhorar! Uma voz interna repetia: se dedique, insista e estude, vai melhorar!
Mesmo já formada, eu me dedico, eu insisto, eu ainda estudo.
Nada melhora.
Voz filha da puta e mentirosa!
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FLOAT - Wenclair
FanfictionO quão invisível alguém pode ser? Como lidar quando desde cedo sua família não te enxerga e você recebe o desprezo de sua mãe? O que fazer se você é ignorado todos os dias pela sociedade e todo o seu esforço é em vão? Enid lutava pelas respostas d...