CAP. I

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Nem que eu quisesse eu poderia recusar, mas nunca diria sim, sem lutar.

Meu pai era agressivo para toda a família.  Minha mãe já tinha abandonado a casa algumas vezes, mas sempre regressava para proteger os filhos.

Chamo-me Juliette, tenho 16 anos e tenho 2 irmãos.   Beatriz de 12 e Tomé de 14 anos.

A nossa situação financeira já foi boa, mas por conta de atitudes menos honestas de meu pai, acabámos na miséria.  As dívidas com pinga e negócios escuros atiraram-nos para um poço de onde dificilmente sairemos.

Hoje, meu pai reuniu toda a família para ter uma conversa importante, dizia ele.

Eu já deduzi que dessa conversa não ia resultar nada de bom, mas sentei-me junto a minha mãe e minha irmã.

- Hoje eu recebi uma proposta que pode tirar a gente deste sufoco e resolvi aceitar.

O Amadeu, da fazenda Santarém está disposto a pagar as nossas dívidas e ainda doar algum dinheiro para recomeçar.

- E qual é a troca, perguntei eu, já imaginando a marmota.

- Ele quer casar contigo.

- É O QUÊ? O homem tem 60 anos!

- E daí que tem 60 anos.   Ele é rico.  Tu não tens pena dos teus irmãos?
Eu não tenho nem um pão para lhe dar de comer.

- Pois é!  Não gastasses tudo em pinga.  Agora eu é que tenho que ser sacrificada?

Juliette levou um tapa ao dizer tais palavras.

- Tu não tens que querer.  És minha filha e vais obedecer-me, ou preferes ver os teus irmãos morrer de fome.

Minha mãe chorava, porque não podia dizer nem fazer nada.  Ela era agredida por tudo e por nada sempre que meu pai voltava alcoolizado.

- Mas, meu pai!  Deve haver outra solução.  Não me pode obrigar a casar com um velho.  Eu vou trabalhar.

- Já me comprometi com ele.  Até já recebi um adiantamento e se por acaso tu tiveres a infeliz ideia de fugir, eu mando a tua irmã.

- A Bia não.   Ela é uma criança.

- Está nas tuas mãos.   Eu prometi uma das minhas filhas e terminou a conversa por aqui.

- Mãe, eu não quero casar.

- Não tem muito que eu possa fazer.
Não temos para onde ir, não temos dinheiro nem trabalho, minha filha.
Talvez o Amadeu seja um homem bom e te trate bem.

- Se fosse bom não quereria casar com uma mulher de 16 anos ou 12, porque segundo o pai qualquer uma serve.

- Lá pelo menos terás o que comer.

- Prefiro morrer de fome.

Nessa noite  como habitualmente o meu pai regressou bêbado.  Tinha o adiantamento do Amadeu e foi torrá-lo em pinga.

A minha mãe tomou uma sova e eu e meus irmãos só não apanhámos também porque nos trancámos no quarto.

Nessa noite dormimos os três juntos.

Eu era muito chegada ao meu irmão e ao ver-me chorar ele veio abraçar-me.

- Tomé, eu vou fugir com a Bia. Vem connosco.

- E a mãe?  Ela nunca vai deixar o pai.

- Não importa.  Eu não vou casar com aquele homem, nem vou deixar a Bia casar.

- Eu não quero abandonar a mãe, mas eu vou apoiar a tua decisão.  Eu fico, vou arranjar trabalho a apoiar a mãe.

- Tu ajudas a gente a fugir?  Bia, tu queres vir comigo?

Bia chorava perante a proposta de Juliette.   Nunca tinha pensado fugir do pai e deixar a mãe, apesar desta já as ter deixado algumas vezes.

- Vens, Bia?

- Vou, mas depois voltamos?

- Quando pudermos, voltamos para buscar a mãe e o Tomé.

Os três combinaram que seria para daqui a três dias.

A aldeia onde viviam era pequena.  Todos se conheciam, então precisavam fugir sem ninguém os ver.





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