CAP. V

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Em casa dos pais de Juliette.

António espumava ao descobrir a fuga das filhas.  Retirou o cinto que segurava as calças e estava disposto a chicotear a esposa quando Tomé apareceu vindo da rua.

- Sua vadia, nem para tomares conta das crias serves.  Vais ver como elas te mordem.

Levantou  a mão que segurava o cinto e quando se preparava para dar a primeira chicotada Tomé segurou-lhe no pulso  retirando-lhe o cinto.

Tomé apesar dos seus catorze anos aparentava muito mais.   Alto com uma constituição forte ao contrário do pai que não passava do seu metro e sessenta.

- A partir de hoje as coisas mudam nesta casa.  Estou farto de ver a mãe apanhar por tudo e por nada.

- Quem és tu para dizeres o que pode ou não ser feito aqui?

- A partir do momento em que sou eu que ponho comida nesta casa, sou tudo.  Queres viver da cachaça, vai lá para o boteco afogares-te nela, mas primeiro arranja dinheiro que daqui não levas nem mais um centavo.

- Ainda sou teu pai.  Deves-me respeito.

- O mesmo que o senhor deve a mim e à minha mãe.
Ou arranja serviço ou faz a trouxa e  faz-se à estrada.

- Estás a dizer que eu tenho que me ir embora?

- Assim como fez as minhas irmãs irem, já chegou a sua hora.

- Aquelas ingratas.  Eu tinha o negócio feito com o Amadeu.

- Só que elas não são gado para venda.  Vá ter com ele.  Trabalhe para ele e receba o salário para torrar em pinga.

- É o que me resta.  A pinga.

- Pois tome atenção!  A partir de hoje, o primeiro dia que entrar nesta casa cheio de pinga, sou eu que o ponho na rua com a trouxa às costas.  Não estou a brincar.

Virando-se para a mãe, continuou.

- E a senhora minha mãe,  pare de o defender.  Até parece que não lhe dói toda vez que este cinto fica marcado no seu corpo.  Não teve coragem para defender as suas filhas, ia deixá-lo vender Juliette e não fez nada.  Ou toma tento ou eu largo tudo e vou à procura das minhas irmãs e ficar com elas.
Sabe Deus onde estarão e o que estão a passar.

- Desde quando ganhaste essa força toda que pareces ter?

- Desde que estou farto.  Eu não  estudei,  as minhas irmãs não estudaram, não sei o que nos espera o futuro, porquê?

Porque o senhor torrou tudo o que tinha e não tinha e quando se viu na miséria a solução foi virar cachaceiro.  E que culpa nós tivemos das suas más escolhas?

- Eu fui enganado desde sempre.

- Mas a sua família sempre esteve consigo e como é que lhes agradeceu?  Vendeu uma filha e teria vendido a outra também.   Maltrata a esposa e o filho a ponto de passarem fome.
Acabou.  Entendeu?  Acabou.  Agora as regras são minhas e quem não gostar, a porta está aberta.

Desde que as irmãs partiram, Tomé agarrava todos os trabalhos que apareciam.  Fosse de enxada na mão,  na construção ou em algum outro serviço, ele aproveitava tudo.

Era esse dinheiro que punha comida na mesa e pagava as contas básicas de casa.

No  princípio quando o pai batia na mãe, ele saía de casa para não ouvir, mas estava farto de a ver sofrer sem nada fazer.   Nunca entendeu porque é que ela não reagia.

Mesmo agora, depois desta minha posição e confronto com o pai, ela está aqui, apática como se estivesse noutro mundo.

Espinhos no caminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora