Belas Mentiras

Prólogo: Caçadores de Geleiras

Ele lia e relia a carta para verificar se não houvera um engano, ou talvez, um equívoco. Afinal, já havia ocorrido outras vezes.

"Caros Sr. e Sra. Fugo,

Gostaria de parabenizá-los pela última descoberta no Mar do Japão, onde identificaram uma geleira que se desprendeu do Ártico e chegou às nossas terras. Seus esforços para neutralizá-la a tempo evitaram possíveis acidentes marítimos. No entanto, escrevo-lhes esta carta com um pedido especial. Estou disposto a pagar qualquer quantia necessária, inclusive uma indenização aos seus familiares próximos em caso de uma fatalidade — que Kami não permita. Preciso que sua equipe vá até as águas do Atlântico Norte e tente trazer à superfície o satélite Merlin I, que se incendiou no espaço há quase vinte e cinco anos e caiu nesta região. Compreendo que não vai ser uma tarefa fácil, mas qualquer sinal de que ele ainda repousa em seu descanso eterno já me proporcionará um enorme alívio. Aguardo ansiosamente o seu retorno.

Atenciosamente, Aruto Hiden".

Era uma loucura... completamente, e ele sabia disso.

O trabalho parecia promissor e oferecia recompensas atrativas. O submarino concedido a Antony Fugo, um homem de cinquenta anos com o rosto redondo adornado por um bigode escovinha grisalho e cabelos ralos mesclando tons de vermelho e grisalho, estava vestido com um traje de mergulho azul escuro. Sua esposa, Lee-yin Fugo, uma mulher de aproximadamente quarenta anos, exibia olhos pequenos e escuros, cabelos longos e lisos em tons de castanho claro, e usava óculos de aro quadriculado, também vestindo um traje de mergulho preto. O submarino era algo fora do comum, que nenhum dos dois jamais testemunhou, nem mesmo no mundo dos não mágicos. O encouraçado de estilo militar era espaçoso, com um revestimento robusto capaz de suportar até seis mil metros sob as águas profundas. Mais uma das peculiares invenções da Prismatik.

Uma missão como essa representava um desafio para simples caçadores de geleiras, tirando-os de sua zona de conforto. O casal Fugo expandiu sua reputação, já considerável no Japão devido ao notável trabalho de catalogação de geleiras que se desprendem do Polo Norte e viajam pelos oceanos. Esse feito lhes conferiu o título de membros da Patrulha Internacional do Gelo. Nos últimos anos, várias ocorrências haviam sido registradas devido ao desprendimento mais frequente de grandes calotas, mas o Atlântico representava um cenário diferente.

Eles nunca haviam explorado aquela região, conhecida por seus perigos marítimos e acidentes envolvendo icebergs entre os séculos XIX e XX. Para ser mais preciso, o local era Terra Nova, nas terras canadenses, uma área envolta em mistérios dos mais diversos tipos.

O submarino deslizava velozmente pelas profundezas escuras do oceano, enfrentando sem dificuldades a intensa pressão da água e as correntes marítimas. Antony, que observava de um monitor com câmera no painel de controle, solicitou à esposa que ativasse os holofotes, mas nenhum sinal aparecia no sonar.

— Estamos nos aproximando da Zona da Meia-Noite — disse Lee-yin. — Só que não detecto nada... Tem certeza de que o nosso cliente nos mandou para o lugar certo?

— Bom, certeza eu não tenho, mas se foi ele quem projetou esse tanque de guerra aquático, então ele deve ter alguma certeza de que se localiza aqui.

— Pessoas erram, Tony. E essa Prismatik já errou tanto... por isso o Merlin I explodiu.

Antony recordava das notícias sobre a explosão do Merlin I no espaço sideral, transformando-se em uma esfera de fogo e caindo em algum lugar. Era o final de 1998, alguns meses após o término da Segunda Guerra Bruxa. Naquela época, Antony ainda não tinha conhecido sua esposa e vivia em um bairro da classe trabalhadora em Waterford, na Irlanda. A explosão do satélite representou mais uma derrota para a comunidade bruxa, que já enfrentava o desafio de manter seu anonimato diante dos sem magia, especialmente com o avanço das tecnologias de câmeras.