Belas Mentiras

XIX: O Rose Clocks e o Lobo de Calla

I

Severo aparatou na loja da esposa logo após terminar a ligação. Pediu a Joanne que cuidasse dos irmãos menores até seu retorno, o que provocou mais uma rodada de reclamações por parte da filha. Severo e Erina conversaram até tarde sobre o misterioso Urias Guerra, o homem que havia aparecido tanto na casa quanto na loja deles. A conversa se estendeu até perceberem que já era praticamente hora do jantar.

— Eu estou muito preocupada — Erina foi até a entrada e a trancou, virando a placa de aberto para fechado. — Esse homem veio preparado para nos enfrentar.

— Por que diz isso? Você viu alguma coisa de errado nele?

— Vi várias coisas. Primeiro, a mente dele estava cheia de nuvens, e segundo, a alma dele tinha a cor azul, igual a do cabelo e dos olhos.

— Bom, vai ver ele gosta dessa cor.

Erina franziu o cenho e caminhou pesadamente até o marido, com ares de indignação.

— Severo, ele sabia que eu iria vasculhar a mente dele. Ele tentou mascarar seus pensamentos com uma forte oclumência.

— Mas e a alma? Você me fala que é impossível de se esconder o que se sente por dentro... — Severo cruzou os braços.

— Só se for um soulmente, mas não era o caso dele. Esse homem estava com a cor azul da alma por estar muito relaxado, em paz, o que significa que ele não nos temia ou se impressionava. Se fosse um bruxo das trevas qualquer tentando nos enfrentar, eu iria notar, mas esse homem...

— Eu ainda estou querendo entender onde você quer chegar.

— Que esse homem, seja quais sejam as suas intenções com o Pestana, não vai descansar até conseguir o que o trouxe até aqui, e não teme nada e nem ninguém.

— Ou seja: confusão na certa — Severo colocou as mãos no próprio rosto. — Mais uma... já não basta as tantas que esse lugar vive se enfurnando. Parece que estamos dentro de um vórtice de infortúnios. Ano passado foi com o Potter, e semana passada a gente teve que resolver os problemas que a Layla Grimes criou com o Ministério porque simplesmente não se segura com aquela maldita bicicleta que voa. Ela insiste em querer se mostrar para os trouxas...

— Sim, mas no caso da Layla, é resolvível, mas esse tal de Urias, não vai ser tão fácil. Vamos ter que estar bem preparados. Ele me aparenta ser alguém muito poderoso.

— Não mais do que nós dois juntos. E amanhã bem cedo eu vou falar com o Pestana e perguntar a ele sobre esse Urias.

Os dois retornaram para casa exaustos e famintos, apenas para encontrar os filhos igualmente reclamando de fome e impacientes com a demora do jantar. Severo, então, preparou um sopão bem reforçado para todos, o que provocou algumas queixas dos filhos mais novos, que preferiam algo mais sólido.

— Eu achei que iria ter rosbife — disse Joanne, olhando para o caldo grosso esverdeado da sopa.

— E eu queria tomate — disse Alan. — Não gosto de comer coisas verdes.

— Não tive tempo de preparar. Eu e sua mãe tivemos que resolver alguns problemas.

— Tem a ver com o cara esquisito que fez o Alan ter uma crise, né? — Alan ficou receoso quando Joanne tocou no assunto — O maluco não é boa coisa e veio aqui encher o saco de todo mundo...

— Isso não vem ao caso, Joanne. É assunto meu e de sua mãe. Agora, coma a sua sopa antes que esfrie.

Joanne comeu, meio a contragosto, mas decidiu não discutir com o pai. Seja qual fosse o objetivo daquele homem, parecia ter vindo apenas para semear o caos em Ravenclaw's Pride. E a aldeia ainda nem se recuperou do incidente com a Bicicleta e a constante presença do Ministério da Magia por causa dos infortúnios que a aldeia vive se metendo, e que poderia expor sua sociedade aos trouxas de Thurso — como se eles já não soubessem. Será que deveria investigar esse homem estranho por conta própria? Melhor não. Esses assuntos eram responsabilidade dos seus pais, e ela havia prometido a si mesma que focaria em seu próprio futuro, sem se envolver mais com questões relacionadas a esses bruxos das trevas.