Belas Mentiras

XXIV: 11/09 II - Arquivo N°3

I

Severo queria saber mais sobre esse tal Tratado de Libra, que se tornou a nova constituição do MACUSA após o Onze de Setembro. Agora, com a permissão para levar um dos três arquivos que O Setor compilou durante as investigações do atentado, ele examinava cada documento com esmero e uma curiosidade quase febril. Seu olhar se demorava nas fotos dos antigos edifícios do World Trade Center. Havia algo naquelas imagens que lhe evocava lembranças estranhas — recordações difusas de quando ele e Erina, sua esposa, ainda estavam se estabelecendo em Ravenclaw's Pride, no final dos anos 1990 e na virada de 2000. Assim como ele, Erina tinha a mania peculiar de colecionar selos, e muitos de sua coleção estampavam a imagem das duas torres gêmeas, em pé, altivas, como guardiãs de uma era que agora parecia distante e perdida.

Mas atualmente, selos são quase como um objeto raro. Nenhum dos trouxas usa cartas para se comunicar hoje em dia. Às vezes ele refletia se os bruxos estavam certos em não aceitar as tecnologias atuais ou são apenas uns chatos que não veem com bons olhos os modismos dos trouxas, por, simplesmente, não precisar deles.

Severo concordava com as duas partes.

— Querido... — ele ouviu Erina entrar no quarto mansamente, trazendo uma bandeja com frutas vermelhas, suas favoritas. — Já faz mais de duas horas que você está nesse quarto. Precisa se alimentar um pouco.

— Obrigado, mas tenho que continuar as minhas pesquisas.

— Ora, o que são essas pesquisas para que você se interesse tanto a ponto de não querer comer nada? Deste jeito você vai emagrecer de novo — Erina colocou a bandeja ao lado da escrivaninha; ela acabou espiando todos os papéis em cima da mesa, bagunçados e todos fora de ordem. — Quantos papéis... para que tudo isso, Severo?

— Você estaria disposta a escutar uma história longa?

— Mas é claro... se você me prometer que vai se alimentar.

Severo tentou, por todos os meios, manter Erina fora dessa história, evitando envolvê-la nos detalhes mais sombrios e complicados. Mas, sem muitas opções e desejando um conselho de alguém de sua confiança, percebeu que a melhor decisão seria compartilhá-la. Então, reuniu-se com Erina e contou-lhe tudo: desde os detalhes mais minuciosos sobre o treinamento de Joanne com os makais até as complexas investigações relacionadas ao Onze de Setembro e ao enigmático Tratado de Libra. Quando Severo chegou à parte sobre Joanne e os makais, um tópico que parecia carregar um peso emocional distinto, Erina finalmente quebrou o silêncio.

— Mas por que eles escolheram a Jojo? Ela é só uma criança...

— Criança, Erina? Joanne tem quinze anos. Já sabe muito bem diferenciar o que é o bem e o que é o mal.

— Só que não é certo. Eles é quem deveriam estar em cima desse Mestre Logos e não uma adolescente.

— Acha que eu não concordo com você? Também penso que é um absurdo uma adolescente lutar contra um bruxo das trevas poderoso. Isso era a obrigação deles, mas... eu compreendo a decisão deles.

— Compreende?

— Olha, compreender não quer dizer concordar. Joanne é a pessoa mais próxima de nós que conhece e está acostumada com os costumes deles. Talvez, eles confiem mais nela do que em mim, por exemplo, já que eu... não demonstrei muita educação no período em que estive lá. Sem falar que, também somos próximos do Warren e... ele precisa de nós neste momento.

— Pobrezinho. Alzheimer? Eu nunca pensei que essa doença pudesse afetar os bruxos. Me diga: Kasimier é sangue-puro, não é?

— Sim, ele é, mas acho que isso não conta muito quando se trata de uma doença degenerativa. Muitos bruxos ficam gagás e nem sabem o motivo.