XVIII: Totalmente Irrelevante

31 2 292
                                    

I

O laudo estava ali, bem na sua frente: Mal de Alzheimer.

Já fazia algum tempo que Kasimier Warren sentia que algo não estava funcionando direito em seu cérebro. Ele iniciava uma tarefa e, de repente, esquecia o que estava fazendo. Nomes, que sempre foram mais fáceis de lembrar do que rostos, agora lhe escapavam com frequência. Porém, o que realmente acendeu seu alerta foi o esquecimento de comer, só percebido quando seu índice glicêmico estava na casa dos quarenta.

Depois de tantos problemas com a demora nos atendimentos do NHS e a dificuldade em conseguir um simples exame de ressonância, finalmente surgiu uma vaga na Universidade de Oxford e os resultados estavam prontos. O papel mostrava vários códigos e números dentro da CID-10: G-30.9 e F00.9, que para ele não faziam o menor sentido. Nessa parte, o professor admitia sua ignorância, embora gostasse de se orgulhar de não ser um bruxo mesquinho que ignorava o mundo dos trouxas.

Kasimier viu aquele laudo de cabeça baixa, triste e depressivo. Ele não queria ter recebido aquele diagnóstico.

— É muito grave o que meu pai tem? — perguntou sua filha, Blossom Warren, que veio fazer companhia a ele.

— Infelizmente é — respondeu a doutora que os atendia em sua sala minúscula e toda branca. — O seu pai, não apenas tem um Alzheimer de progressão desconhecida, como também vimos que ele está desenvolvendo um grau de Demência, também com progressão desconhecida — Kasimier abaixou mais a sua cabeça e a sua real vontade era de chorar.

— E o que quer dizer progressão desconhecida?

— Significa que não podemos definir se a progressão do Alzheimer e da Demência serão leves ou graves. De qualquer forma, o seu pai está com o cérebro com atividade normal, o que podemos indicar que a progressão, no momento, está em fase inicial. Por isso, vamos fazer de tudo para retardar o avanço da doença. Eu vou receitar alguns remédios, e um a base de canabidiol experimental que estamos testando para algumas doenças neurológicas. Gostaria de saber se os senhores têm interesse em participar dos testes.

— Eu quero participar — disse Warren. — Não será nem a primeira, e nem a última vez que viro cobaia em estudos de Oxford.

— Excelente. Os medicamentos a base de canabidiol serão entregues em seu endereço uma vez por mês. Os outros medicamentos, o senhor pode pegar em receita. Também pedimos para que venha até Oxford a cada três meses para que possamos ver se as combinações medicamentosas estão fazendo efeito. E, ah, sua filha ou alguém de confiança precisa vir como acompanhante na hora das visitas. Fica combinado assim? — os dois fizeram sim com a cabeça. — Então excelente. Nos encontramos daqui a três meses.

Pai e filha saíram do consultório e caminharam devagar pelo campus da antiga e respeitada universidade. O lugar, que outrora era cheio de estudantes, agora parecia vazio e sem vida devido às rígidas restrições ainda em vigor no mundo dos trouxas por causa da pandemia. Enquanto que, no mundo bruxo, muitas das restrições já estavam sendo relaxadas.

— O senhor quer almoçar? Tem um restaurante aqui perto que está atendendo ao público, mas com capacidade limitada.

— Não estou com fome, Blossom.

— Ah está sim, senhor. A gente não comeu nada desde que chegamos em Oxford, e isso faz quase duas horas. Mas o senhor pode falar, pai: está muito triste por ter recebido essa bomba.

— Triste não é a palavra certa para definir o que estou sentindo no momento — ele deu uma risada gelada. — Estou me sentindo irrelevante. Totalmente irrelevante. E sabe o porquê? Eu sei que o Alzheimer vai me dominar e eu não vou mais me reconhecer e nem a todos que estão ao meu redor. E você não imagina o quanto eu estou sofrendo ao ver que vocês também vão sofrer? Eu não vou mais reconhecer ninguém! Serão como completos desconhecidos para mim!

Belas MentirasOnde histórias criam vida. Descubra agora