Capítulo 18

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-Hoje você pode me contar com mais detalhes e sem pressa- Leah fecha a porta de sua sala e a persiana que dava vista a quem passava no corredor

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-Hoje você pode me contar com mais detalhes e sem pressa- Leah fecha a porta de sua sala e a persiana que dava vista a quem passava no corredor. Depois se dirige até a cadeira estilo presidente e cruza uma das pernas fazendo a calça expor suas pernas torneadas. O cheiro de café pairava entre nós- A história acabou ficando confusa com o tanto de interrogatórios que tive que fazer aquele dia para no final descobrirmos que foi um erro do sistema. Puta merda.

-Pelo menos perdi um dia de trabalho- Levanto uma mão em direção ao teto como se fosse fazer uma prece- Te adoro sistema.

Leah sorri expondo seus dentes levemente amarelados pelo café e tira a franja dos olhos revelando o piercing enfeitando sua sobrancelha.

-Bem, poderia contar como isso começou?- A oficial se inclina sobre a mesa e toca meu braço levemente, seus dedos mornos provocando faíscas sobre minha pele- Não se sinta pressionada a contar tudo hoje.

-Tudo bem.

E mais uma vez mergulho onde as ondas batiam na altura do meu rosto e algas arranhavam meus pés. Por mais que seja difícil e por sentir vontade de deitar em posição fetal, conto com a maturidade de hoje o que eu não conseguia contar quando era pequena. E não contava por não saber que aquele tipo de carinho era errado vindo de qualquer pessoa.

Passo também pela época que Luke entrou na minha vida, seu sorriso sem os dentes da frente iluminando meu dia. Meu barco poderia até estar afundando, mas ele dava um jeito de me manter no lugar. Ele sempre me manteve na superfície mesmo não fazendo ideia do que estava acontecendo.

Esse é o meu Luke.

-Depois que ele acabou estragando o ursinho do Marcelo- O nome dele fazia um nó na minha garganta sempre que pronunciado e o medo estava perdendo espaço para o ódio- Eu sabia que ele não deixaria essa passar. Demorou semanas até que ele encontrasse o ursinho e durante esse tempo só recebi umas passadas de mão ou uma secada de seu olhar. Mas quando ele encontrou... Eu só pensei que precisava proteger Luke.

Apesar de impedir que as lágrimas caíssem, não consigo segurar o soluço. Também não consigo olhar nos olhos de Leah, pois me sinto envergonhada, pequena e suja. Respiro fundo e passo a mão pelo rosto tentando espantar os sentimentos ruins, mas eles não vão embora.

-Acho que já chega por hoje. Pode me contar o que aconteceu daqui alguns dias e podemos marcar de se encontrar em uma cafeteria perto do seu trabalho- Leah se levanta e gesticula para o ambiente ao nosso redor- Deve ser mais confortável falar fora de uma delegacia.

-É uma boa ideia- Levanto-me da minha cadeira também e sigo Leah até o corredor. Ela me conduz até a porta da frente e acena com a cabeça para vários policiais enquanto caminhamos.

Sou surpreendida pela chuva quando chegamos à porta dupla de vidro. Ela cai incansavelmente fazendo um barulho capaz de abafar qualquer coisa, até mesmos nossas vozes.

-Acho que vou me atrasar para o trabalho- Digo para mim mesma esquecendo que a policial estava ao meu lado observando os pingos de chuva grossos que caiam do céu e batiam na lata da viatura estacionada a frente da delegacia.

-Eu te dou uma carona- Leah diz tirando a chave do bolso do moletom que usa por debaixo da farda e abrindo a porta de vidro. Sinto os respingos da chuva forte em minhas bochechas que ganham um tom corado com o vento que irrompe pelas portas.

-Não precisa.

-Precisa, sim. Não seria legal se você chegasse atrasada e fosse demitida por minha causa- Ela ergue o capuz escondendo a cabeleira negra- Se prepare para correr.

Por algum motivo prendo a respiração enquanto corro pela chuva até o banco passageiro da viatura. Sou envolvida pelo interior quente do carro assim que fecho a porta e o som da chuva é abafado. Sinto o banco no qual me acomodo ficar encharcado pelas minhas roupas molhadas.

Leah não parece se incomodar com as vestes molhadas. Na verdade ela parece quase não ter se molhado, pois seus cabelos estavam completamente secos, ao contrario dos meus que grudavam na minha testa.

-Eu deveria ter oferecido um guarda chuva- Diz enquanto esquenta o motor do carro. A viatura era grande e com detalhes robustos que combinavam com a estatura da policial e com suas mãos com veias marcadas. Seu perfume também parece ter ficado mais forte depois de ter contato com a água- Se tivéssemos guarda chuva.

Rio de sua fala e me afundo no banco. Ficamos em silêncio por uma boa parte do trajeto com apenas o ruído do aquecedor e da chuva contra o vidro preenchendo o interior do carro. A paisagem passava devagar do lado de fora, pois Leah mantinha uma velocidade pequena por conta da chuva.

-Da onde surgiu a ideia de pintar o cabelo de rosa?- Pergunta enquanto faz uma curva.

-Eu me inspirei nas pitayas que eu e minha mãe costumávamos comer- Digo e prendo a respiração. Eu não queria ser coberta pelas ondas do passado novamente.

-Isso é um belo gesto e eu curti bastante. Ressalta a cor dos seus olhos, sabe?

-Todo mundo está falando isso para mim- Abaixo o quebra-sol para olhar meu reflexo no espelho. Realmente o cabelo rosa, agora escuro por conta da água, deixa meus olhos grandes e profundamente azuis se destacarem. Fico me perguntando como as pessoas conseguem sustentar o olhar com meus olhos extremamente azuis invadindo suas almas- Acho que eles têm razão.

-É claro que tem.

Ficamos em silêncio até chegarmos ao meu trabalho. Nos duas concordamos que seria melhor que eu descesse longe dali para que não me vissem saindo da viatura. Se me vissem com certeza fariam fofoca, então não acho ruim ter que me molhar um pouco até estar em segurança no estacionamento.

-Te vejo mais tarde com minhas compras- Ouço Leah dizer quando saio do carro e antes de eu desaparecer na chuva.

-Ah Jessie! Está toda molhada- Diz Beth em um tom espantado ao me encontrar nos armários onde costumamos guardar nossos pertences- Poderia ter me ligado.

Beth tira uma toalha de dentro de seu armário e a entrega para mim. Uso seu tecido suave para enxugar meu cabelo curto que pingava e grudava na minha testa.

-Está tudo bem. Thomas ainda não voltou e vou continuar trabalhando com as entregas. Tenho certeza que vou tomar muita chuva hoje.

-Nesse caso, pode ficar com a toalha- Diz com um sorriso gentil- Vai precisar.

Então fecha o armário e ajeita a trança com os dedos ágeis. Depois desaparece em direção ao seu caixa de sempre. Pronta para mais um dia de trabalho.

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Jessie Brodie (sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora