Capítulo 34

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Deixo as flores brancas sobre o túmulo de mármore silenciosamente

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Deixo as flores brancas sobre o túmulo de mármore silenciosamente. Depois, deslizo os dedos sobre as letras gravadas na pedra sentindo seu relevo. Percorro cada curva do manuscrito e sinto a dor se alastrar no meu corpo quando me lembro do significado e o motivo daquelas palavras estarem ali.

Jamile Brodie.

-Ela foi encontrada dias depois boiando na superfície do rio- Finalmente digo com medo do próprio significado das minhas palavras. Mesmo depois de tantos anos, sinto a dor e a injustiça vivas em meu corpo. As lágrimas brotam no canto dos olhos novamente e preciso limpar pela décima vez desde que comecei a história. Estou tentando ignorar o máximo possível o aperto no peito e a vontade de desabar em lágrimas que cresce dentro de mim. Anos de injustiça acumulados e ninguém para chorar por mim- Marcelo provavelmente descobriu que ela estava prestes a denunciá-lo e resolveu acabar com tudo assim que teve oportunidade. Mesmo depois do meu escarcéu, ninguém acreditou em mim. Marcelo tinha um cargo muito alto como médico, então ninguém suspeitou ou cogitou interrogá-lo. Papai também tinha sua amante que apareceu no velório como se fosse uma velha amiga, logo não se preocupou em encontrar o culpado pela morte de minha mãe. Simplesmente acharam que ela se matou após descobrir a traição e deixaram por isso mesmo.

Ajoelho em frente ao túmulo sem me importar de sujar a calça na terra solta do chão. O vento típico de dias nublados coravam minhas bochechas e deixavam meus lábios rachados. Não havia nenhum outro barulho no cemitério além da minha respiração pesada e do som do próprio vento.

-Ela era tão jovem- Volto a tocar a pedra dolorosamente fria na esperança de sentir a presença da minha mãe- Ela era tão linda. Tão injustiçada.

Deixo um soluço escapar. Uma lágrima solitária escorre pela bochecha e pinga sobre o mármore. Eu queria cavar um buraco e me esconder na terra para não ter mais que sentir o mundo frio me envolver. Não sentir mais o coração frio das pessoas e a injustiça fria assombrando meus dias. Não queria sentir mais as garras do medo puxando meu cobertor durante a noite.

-Isso tudo está tão errado- Sussurra Leah que, até então, estava quieta apenas ouvindo minhas palavras e contendo as emoções- Jessie, eu não imaginava que as pessoas poderiam ser tão ruins até ouvir sua história.

Levanto-me e limpo a poeira da calça. A terra havia deixado manchas nos joelhos, mas eu não me importo. Pela primeira vez desde que chegamos aqui, olho para Leah. Ela mantinha os punhos cerrados, as sobrancelhas franzidas e os lábios comprimidos em uma linha fina.

-Eu vou acabar com tudo isso, Jessie. Sei que não posso tirar sua dor, mas eu posso colocar aquele desgraçado atrás das grades- Ela retira a chave da moto de dentro do bolso da jaqueta e aperta com força- Nem que eu tenha que dirigir pelos quatro cantos do mundo.

-Não vai adiantar Leah- Falo com a voz falhada pelo nó que se formava na minha garganta- O Marcelo é imprevisível. Não vai conseguir capturá-lo nem se tiver ajuda de um exército inteiro.

Dou um passo em sua direção e seguro seus braços querendo relaxar seus músculos com meu toque, mas eles continuam firmes embaixo da minha mão.

-Não estou dizendo que é uma policial ruim. Muito pelo contrário. Você é a única que ouviu minha história e me acolheu. Você fez muito mais do que sua profissão exige. Só quero te dizer que o mundo sempre funcionou assim para mim e acredito que não tenha como mudar. Marcelo sempre vai se safar.

-Não. Não é porque o mundo foi injusto com você por 14 anos, que precisa ser para sempre. Nós vamos colocar um ponto final nisso. Custe o que custar. Leve o tempo que precisar.

Percebo que os olhos de Leah estão cheios de lágrimas. Seus lábios, quando não estão comprimidos em uma linha fina, tremem levemente. Imediatamente permito que meus olhos transbordem também.

Leah está chorando por mim.

Levo minhas mãos frias até seu rosto corado. Envolvo-o em minhas mãos e acaricio com os polegares, limpando as lágrimas que caiam de tempos em tempos pela sua bochecha. Leah me puxa para mais perto, para o calor de seu corpo. Suas mãos passeiam pelas costas de uma forma reconfortante.

Quando as emoções ficam muito fortes, nos envolvemos em um abraço apertado. Tão apertado que o vento, que bagunçava o mundo a nossa volta, não conseguia passar entre nossos corpos. Parecíamos impenetráveis. Intocáveis. Inabaláveis. Essa é a sensação que tenho quando estamos juntas.

Talvez sejamos mesmo.

Nos afastamos depois de um cinco minutos nos abraçando fortemente. Eu não tinha percebido que me agarrava tão forte a ela até sentir os músculos do braço doer. Leah dá um passo para trás. Seu rosto parecia ainda mais corado e seus olhos estavam inchados como os meus.

-Jessie- Seus dedos buscam os meus e só param quando eles estão enroscados na minha mão- A delegacia oferece ajuda psicológica para vitimas de abuso. Seria importante se você passasse a fazer algumas sessões com a psicóloga. A Srta. Becker é uma ótima profissional.

-Eu não sei Leah. Não sei se me sinto confortável em falar para mais alguém sobre isso tudo. Tenho medo do que eles são capazes de fazer com essas informações.

-Jess, eu não recomendaria alguém se não confiasse nela. Quero que a Srta. Becker te ajude a superar algumas coisas para que você possa viver uma vida mais tranquila enquanto não capturamos Marcelo - A mão de Leah pousa levemente sobre meu coração- Sem esse medo gigantesco que carrega aqui. Por favor... Dê uma chance.

A dor presente na voz dela me faz estremecer. Leah tem sido meu porto seguro desde que mergulhou no caso. Vi todas as suas noites de insônia e estresse após o trabalho que passou apenas para prender Marcelo. Desde o inicio ela queria me ver segura. E, agora, acho que o mínimo que devo fazer é aceitar. Tirar uma preocupação de suas costas.

-Tudo bem. Eu posso tentar.

-Obrigada, Jessie.

Então ela me puxa para si novamente. Mas dessa vez não tão forte. Nosso abraço é silencioso e carinhoso. Suas mãos dançam nas costas e beijos são depositados na minha bochecha. Permanecemos assim até percebemos que o cemitério podia fechar a qualquer momento.

Leah já subia em direção aos portões, mas eu não conseguia parar de encarar o túmulo na minha frente. As pétalas brancas das flores sendo arrancadas pelo vento. Passo os dedos uma última vez sobre o nome e os levo até os lábios.

-Adeus, mamãe.

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Jessie Brodie (sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora