Sou levada até a pequena e aconchegante sala de Leah. A televisão estava desligada e as janelas abertas para que os últimos raios de sol entrem. Há pequenos vasos de cactos enfeitando a estante e pilhas de livros didáticos. Ela me deixa sozinha por alguns minutos, olhando para aquele belo cômodo bem diferente da sala do meu apartamento.
-Trouxe para você e é melhor que apoie a perna aqui- Fala me entregando um copo de água com analgésicos e acomodando minha perna em cima de um banquinho- Agora me conta o que aconteceu.
A expressão de Leah está carregada com um misto de preocupação e ódio por quem me machucou. Pelas veias saltadas em sua mão percebo que seria capaz de cair na porrada com alguém agora mesmo.
-Ontem eu acabei seguindo Marcelo até sua casa. Ele estava com uma garotinha nos braços e eu não pude evitar- Meus ombros se curvam ao lembrar que não tive sucesso ao persegui-lo- E se ele estiver fazendo o mesmo com ela? É uma criança. Espionei pelo portão aberto até que seu cachorro escapou e me perseguiu por alguns metros. Felizmente consegui entrar na Kombi antes que ele me visse.
-Porra Jessie. Poderia ter me ligado para que possamos resolver isso juntas- Fala apertando a ponte do nariz como se sofresse de dor de cabeça de repente.
-Me desculpa... Eu não pensei- repentinamente a dor da minha perna passa para o meu coração que faz meus olhos arderem em lágrimas. Eu odiava ser tão fraca.
-Está tudo bem... Mas por que não foi ao médico? Mordidas de cachorro são perigosas.
-Ele trabalha lá Leah- Minha voz sai rouca por conta do grande nó na garganta.
-Ai merda.
-Mas eu vou ficar bem- Tento aliviar o clima, mas ela balança a cabeça negativamente- Só preciso de pomadas e remédio.
-Não Jessie. Você precisa de um médico- Sua voz é dura, mas não sinto que seu ódio esteja voltado para mim.
Aquele ódio é voltado para Marcelo.
Leah pega a chave do carro que descansa sobre o balcão e apanha uma jaqueta enroscando-a no braço.
-Não me faça ir até lá- Imploro segurando seu braço antes que fique fora do meu alcance. O contato entre nossas peles faz meu coração acelerar- Eu prefiro morrer a encontra-lo mais uma vez.
Seus olhos negros em contraste com a pele branca encontram o fundo da minha alma. Seus ombros cedem junto com um longo suspiro. A policial senta ao meu lado no sofá largando os pertences e procurando o celular.
-Eu vou chamar um amigo. Ele pode te ajudar.
-Obrigada- Agradeço baixinho.
*
As mãos de Yvan trabalham agilmente na ferida aberta da minha perna. No fim, precisei levar um ponto no corte profundo causado pelos dentes do cão, mas o médico fez a gentiliza de aplicar anestesia, então senti absolutamente nada.
Leah passou o processo todo encostada a parede. Não sei se observava com atenção ou se viajava dentro da própria cabeça. De qualquer forma, ela nunca perde a postura.
-Você vai precisar trocar o curativo todos os dias para fazer a limpeza do local e tomar antibiótico- Diz retirando as luvas de látex e bagunçando os cabelos levemente ruivos- Fez bem em me chamar Addari. A senhorita Brodie poderia ter uma infecção grave.
-Ouviu Jessie?- Verifica Leah erguendo a cabeça e saindo se seu transe. Seu olhar ganhando um brilho cheio de razão- Quanto eu te devo?
-Nada. É um favor de velhos amigos.
-Tem certeza? Não me importo em pagar- Leah coloca a mão no bolso procurando pela carteira, mas Yvan a interrompe com um gesto.
-Não vou aceitar seu dinheiro Addari. Posso conversar com você lá fora?
-Tudo bem.
-Até mais senhorita Brodie. Descanse- E se retira acompanhado de Leah.
Fico tentada a aproveitar o efeito da anestesia e caminhar até a janela para ouvir o que os dois conversavam, mas meu corpo lateja de cansaço.
Eu só queria afundar na minha cama agora.
Da sala, consigo ouvir apenas o murmúrio de suas vozes e quando ouço Leah se despedindo de Yvan, resolvo aproveitar a onda de despedidas e ir para casa.
Manco até a cozinha e procuro pela chave da Kombi ao lado das compras ainda encaixotadas. Leah havia largado todos os afazeres para ficar de olho em mim.
-Para onde pensa que vai?- Dou de cara com Leah na porta da cozinha. A noite se estendendo atrás de si.
-Eu agradeço pela ajuda, mas preciso ir para casa. Amanhã tenho que trabalhar.
-Nem pensar- Ela passa meu braço por cima de seus ombros novamente e me leva até o sofá- Não ouviu Yvan? Você precisa de descanso e ele te deu um atestado. Nada de trabalho amanhã.
-O que? Leah eu agradeço muito, mas...
-E mais nada- Seus dedos pousam levemente em meus lábios, silenciando-os- Você vai ficar no meu quarto essa noite, está bem?
-Não Leah- Protesto ficando de pé novamente- Se eu for ficar, vou dormir no sofá. É isso ou vou para casa.
Seus dedos percorrem os fios de cabelo ondulado e um longo suspiro lhe escapa. Também não deixo de perceber a revirada de olho que dá ao se aproximar de mim.
-Você é bem complicadinha, não é Jessie Brodie?- Ela enrosca os dedos em meu ombro e me força a sentar- Agora faça o que estou mandando, senão vou ter que chamar as autoridades.
-E você não é a autoridade?
-Touché.
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Jessie Brodie (sáfico)
Romansa❌Aviso de gatilho❌ A vida de Jessie nunca foi normal. Aos vinte e um anos Jessie Brodie tenta recomeçar a vida após uma série de traumas sofridos na infância. Ainda está fresca em sua memória a temperatura das mãos de seu tio que marcaram seu corpo...