Capítulo 5

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Meus pais passaram cerca de duas horas conversando na sala, meu tio com a mochila pesada escorada no ombro do sofá e meu pai ao lado de minha mãe

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Meus pais passaram cerca de duas horas conversando na sala, meu tio com a mochila pesada escorada no ombro do sofá e meu pai ao lado de minha mãe. Como eu sei que se passaram exatamente duas horas e cinquenta e seis segundos desde que meu tio colocou os pés dentro de casa? Bom, eu passei todo esse tempo desviando o olhar do relógio de ponteiros na parede para o rosto de Marcelo, meu novo tio.

Pelo que ouvi e entendi, titio veio para nossa cidade procurar emprego e enquanto não arranja um vai trabalhar no hotel com seu irmão. Disse ele que havia se formado na faculdade de medicina e estava ansioso para começar a trabalhar. Minha mãe também disse no meio da conversa que estava feliz por ter um médico na família.

Mesmo depois de todo esse tempo ainda não me acostumei com as rugas bem marcadas entre as sobrancelhas e a barba negra dele. Em certos momentos, seus olhos de jabuticaba se voltavam para mim e, com um pulo assustado, eu desviava para meus pés descalços que flutuavam acima do chão.

-Ainda estou espantado em como a Jessie se parece com você Jamile- Disse ele em uma das vezes que me pegou o observando- O cabelo dela é idêntico ao seu e está na cara que vai ter toda sua beleza quando crescer.

-Assim eu fico sem graça- Diz mamãe dando batidinhas em seu braço forte coberto por tatuagens- Mas Jessie realmente puxou a mim.

Fiquei espantada ao ver a quantidade de tatuagens que ele acumulava em apenas em um braço. Fico me perguntando se a pele ali embaixo ainda estaria viva. De longe não consegui ver os pequenos desenhos, mas os grandes davam para ver nitidamente.

As tatuagens iam da mão e desapareciam por debaixo da manga da camiseta de algodão preta. No antebraço havia uma pomba branca de asas abertas. O que mais me chamou atenção foi que ela usava uma coroa de diamantes em cima de sua pequena cabeça. Mais acima havia penas e mais penas circulando o braço como se tivessem sido perdidas pela pomba no meio do voo.

Perto da mão uma bussola pendia amarrada à pata da pobre pomba como se ela espiasse as coordenadas para descobrir para que lado seguir. Todos os desenhos terminavam em uma única rosa exuberante que cobria toda a extensão da mão. Suas pétalas eram sombreadas perfeitamente trazendo um toque romântico.

Senti uma curiosidade abrupta surgir dentro de mim. Queria saber a história de cada tatuagem e que estimulo havia recebido para leva-lo a fazer. A rosa romântica seria uma homenagem a sua amada? Tio Marcelo era casado? Como seria sua esposa? Eu teria primos para brincar?

De repente sua presença parecia menos incomoda. Mais tarde, quando estivesse descansado da viagem, poderia sentar no sofá e perguntar o significado de todos os desenhos. Talvez eu também pudesse contar a ele com detalhes a minha descoberta sobre a pitaya com leite condensando. Será que ele gostaria de experimentar?

-Acho melhor deixarmos o Marcelo descansar. Teremos tempo de sobra depois para continuar - Diz meu pai depois das duas horas e cinquenta e seis segundos conversando. Ele tira as mãos da cintura de mamãe e faz um movimento com a cabeça em direção ao corredor-Venha ver seus aposentos.

Esperava que ele fosse dormir em algum colchão no canto do quarto dos meus pais, mas acredito que essa não era uma boa opção. Na verdade, acho que isso nem passou pela cabeça dos meus pais, pois eles o conduzem diretamente para o quarto de hospedes, conhecido como meu quarto de brinquedos.

Ao vê-lo passando pela porta, inclinando o corpo para dar passagem à mochila abarrotada, algo se meche dentro de mim. Eu diria que sinto ciúmes, pois se nem eu podia dormir com meus brinquedos porque titio poderia?

Marcho em direção ao quartinho, com as sobrancelhas franzidas e a boca curvada. Coloco-me em frente à porta com os braços cruzados e as pernas separas imitando o jeito que meu pai ficava ao ver algo que não o satisfazia. Os adultos reparam na minha presença apenas quando titio me menciona no meio da conversa e movimenta a cabeça em minha direção.

-Jessie não faça cara feia- Mamãe se abaixa e coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha- Seu tio vai passar alguns dias aqui em casa e precisa de um quarto para guardar seus pertences e dormir. Infelizmente esse é o único quarto vazio que temos.

Tenho vontade de dizer que é mentira, pois tínhamos um hotel com milhares de quartos bem ao nosso lado com serviço de quarto e café da manhã, mas sei que mamãe me responderia algo sobre ele ser da família e não ver sentido em ficarmos afastados sendo que tínhamos um quarto sobrando em nossa casa.

-Os meus brinquedos estão todos aqui mamãe! Ele não pode ficar aqui- Protesto gesticulando para nossa volta mostrando as prateleiras e os baús com brinquedos e pelúcias.

O rosto de minha mãe, de repente, escurece como se estivesse decepcionado. Ela se levanta e se volta para meu tio com um sorriso envergonhado pela filha.

-Peço desculpas por ela Marcelo. Como pode ver esse é quarto de brinquedos de Jessie e acho que ficou chateada por tê-lo aqui- Ela me dirige um olhar capaz de perfurar a parede- Logo ela vai se acostumar.

A risada dele ecoa pelo ambiente. Pergunto-me se é grave por sua voz ser assim ou pela janela estar fechada, bloqueando qualquer passagem de ar ou som.

-Não se preocupe pequena Jessie! – Ele larga a mochila em cima da cama e tira um ursinho de dentro. Sua pelagem estava escura pela camada de sujeira e um dos olhos pretos havia sido substituído por um olho azul- Vi que tem muitas pelúcias e eu os adoro. Esse aqui é o Bolota. Chama-se assim por causa das bolotas em seu pelo.

Marcelo estende o ursinho para mim e hesitante o pego de suas mãos. Bolota tem vários nós em seu pelo formando carocinhos como ele tinha dito. Pelo seu tom encardido concluo que deve estar com ele desde que era apenas um garotinho e provavelmente o acompanhou em várias aventuras.

-Pode vir ao quarto sempre que quiser buscar algum deles. Você também pode levar o Bolota para te acompanhar em alguma brincadeira desde que não o perca. Ele é muito especial para mim e... – Titio olha para meus pais e se aproxima de mim para sussurrar em meu ouvido- Bem, eu só consigo dormir quando estou abraçado com ele. Pode guardar esse segredo para mim?

Assinto rapidamente mostrando que ele pode contar comigo. Eu entendo perfeitamente como é não conseguir dormir sem seu bichinho de pelúcia. Apesar de eu ter vários, minha girafa de pelúcia é a mais importante. Eu a ganhei quando papai não era tão ocupado e me levou ao parque de diversões. Lembro-me de estar no colo dele e arremessar bolinhas de tênis na tentativa de derrubar as latas. Na última tentativa, já sem esperanças, pedi para que papai tentasse e ele acabou derrubando-as. Logo depois, ele me levou para tomar sorvete e comemorar nossa vitória. Desde então é Gi que me acompanha em todas as noites de sono e em minhas tarefas de casa.

Devolvo Bolota para seu dono e pela primeira vez desde que Marcelo colocou os pés em nossa casa consigo sorrir.

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Jessie Brodie (sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora