Naquele dia eu e mamãe experimentamos pitaya com leite condensado. Nós nos sentamos no mesmo lugar de sempre, ao redor do pé da fruta e colhemos uma. Seu interior era tão rosa quanto a casca. O final de tarde estava agradável. Meu cabelo estava úmido pelas horas que passei enfurnada no quarto quente de brinquedos e o da minha mãe estava desgrenhado pelo serviço de casa.
Ela parte a fruta com uma faquinha de serra que vivia fincada no tronco para a ocasião. O suco da fruta molha as pontas dos dedos da minha mãe manchando-os de um rosa escuro. Ela entrega metade para mim e me apresso em derramar o doce melado em cima.
Ansiosa, levo a colher até a boca para descobrir o sabor da mistura. Com o leite condensado quase não dava para sentir o sabor aguado da fruta, apenas o doce enjoativo tomando conta de tudo. Não havia ficado ruim, mas confesso que o sabor da fruta era único e era mil vezes melhor quando se comia puro, sem adicionais.
-Como se sente sendo a primeira a provar pitaya com leite condensado?- Minha mãe pergunta ainda com a pitaya coberta pelo melado nas mãos, a colher descansando apoiada em seu dedo.
-Não é tão bom quando eu havia imaginado. Agora posso contar para o mundo minha descoberta- Levo mais uma colher até a boca, apenas a fruta e deixo minhas papilas gustativas saborearem o sabor único da fruta- Eu a prefiro assim mamãe. Sem leite condensado.
Minha mãe sorri e finalmente leva a colher até a boca para provar minha descoberta. Seu rosto se contorce em uma careta indecifrável. Seus olhos se semicerram por alguns segundos como se o sol ofuscasse seus olhos e depois os abre.
-Você tem razão. Não é uma mistura ruim, mas a fruta é bem melhor sem nada acompanhando.
Comemos em silêncio até restar apenas as cascas em nossas mãos. Como de costume, minha mãe as leva para a compostagem e depois me leva para dentro para um belo banho depois de mais um dia.
Quando estávamos prestes a entrar ouvimos uma movimentação vinda da frente de casa. Por alguns segundos achei que as vozes altas vinham de algum hospede gritando com o agente de bagagem, mas logo reconheço o tom forte de voz pertencente ao meu pai.
Livro-me da mão de mamãe e corro em direção ao portão. Meu pai carregava uma mala de rodinhas enquanto conversava com um homem ao seu lado. Seu cabelo negro se misturava com o cair da noite e os olhos negros se misturavam com as sombras do rosto. Sua barba estava bem amparada e vestia a roupa social de sempre.
-Papai!- Grito abrindo o portão e pulando em seu pescoço. Seu perfume forte misturado com o odor fraco do suor me envolve junto com seus braços fortes.
-Jessie! Como passou a tarde?- Pergunta me colocando novamente no chão- Se comportou?
-Sim! Eu e a mamãe provamos pitaya com leite condensado- Levo a mão até os lábios ainda sentindo a tinta da fruta sobre eles- Não é tão bom quanto parece. Mamãe disse que eu fui a primeira a descobrir isso.
-Acredito que sim- Ele se levanta e ajeita a postura- Jessie esse é o Marcelo, seu tio.
Pela primeira vez reparo no homem ao nosso lado. Ele era alto e forte como meu pai. Possuía os mesmos cabelos escuros como jabuticaba e os olhos negros. A diferença entre eles era que sua barba estava por fazer e há tatuagens por toda a extensão de seu braço direito.
-Essa é a famosa Jessie?- Ele abre os grandes braços para que eu o abrace, mas me escondo atrás das pernas de meu pai- Você tem razão Júlio. Ela está ficando a cara da Jamile.
-Não fique com vergonha Jessie! Ele é da família!- Incentiva meu pai me empurrando em direção de Marcelo.
Hesitante caminho até ele e deixo seus braços fortes me envolverem em um abraço apertado. Sinto minha pele arder sobre seu toque quente e meus olhos lacrimejarem com o perfume forte.
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Jessie Brodie (sáfico)
Roman d'amour❌Aviso de gatilho❌ A vida de Jessie nunca foi normal. Aos vinte e um anos Jessie Brodie tenta recomeçar a vida após uma série de traumas sofridos na infância. Ainda está fresca em sua memória a temperatura das mãos de seu tio que marcaram seu corpo...